Hoje, por exemplo, umas igrejas exigem o rebatismo,
outras não o exigem. Umas admitem o batismo de crianças, outras recusam-no;
umas admitem o batismo por aspersão, infusão e imersão; outras admitem só por
imersão. Há denominações que negam a presença eucarística; outras acreditam que
o pão é realmente o corpo de Cristo. Umas creem na Trindade, outras dizem que
essa doutrina é pagã. Umas guardam o sábado; outras o domingo. Umas creem na
imortalidade da alma; outras não creem. Umas negam o inferno; outras
afirmam-no.
Quanto aos ministérios ordenados, uma denominação
constitui Bispos, presbíteros e diáconos; outras só presbíteros e pastores, ou
pastores e anciãos, ou também Bispos e anciãos; outras presbíteros e diáconos;
outras até inventaram Apóstolos e Bispa (embora como todos sabemos, essa última
palavra nem existe. O feminino de bispo é episcopesa); outras não admitem
ministro nenhum.. Umas igrejas ordenam mulheres, outras não. Outros pregam o
“arrebatamento” sem julgamento; outros, uma vida bem-aventurada aqui mesmo na
terra; uns doutrinam que após a morte já vem o céu e o inferno; outros ensinam
que o inferno é temporário. Há igrejas que até admitem a poligamia. Lutero
mesmo admitiu tal possibilidade: “Confesso, que não posso proibir tenha alguém
muitas esposas; não repugna às Escrituras; não quisera, porém ser o primeiro a
introduzir este exemplo entre cristãos” (Luthers M.., Briefe, Sendschreiben (…)
De Wette, Berlin, 1825-1828, II. 259 ).
Essa problemática divisão no Protestantismo é a
maior demonstração de que ele não pode estar com a verdade. Sobre isso, tratou
Lúcio Navarro (autor recifense) no seu livro já citado “Legítima interpretação
da Bíblia”:
“Era muito conceituado, em certa cidade, um
professor que ensinava, havia 50 anos. As noções que ele ministrava sobre a
matemática, a história, a geografia, a língua vernácula etc., as tinha recebido
de outros mestres, ainda mais antigos e tão conceituados como ele, os quais por
sua vez também já haviam aprendido de outros preceptores. Mas um dia apareceu
um jovem aluno que se rebelou contra o ensino de seu mestre. Não lhe agradava o
método usado naquelas aulas, nem concordava com o que nelas se aprendia. A seu
ver, estava tudo errado. E resolveu abrir uma nova escola, em oposição à do
velho e ministrando uma instrução completamente diversa. Mas todo o mundo notou
logo que o ensino do jovem revolucionário era completamente desordenado: o moço
titubeava, confundia-se, caía em evidentes contradições. Isto serviu para
aumentar o prestígio do velho professor, que podia agora dizer com desdém de
seu antagonista: vá estudar, menino, porque você ainda não está em condições
para abrir uma escola!
O grande navio, pertencente a uma antiga empresa de
navegação, singrava os mares em demanda do seu destino, quando o velho
comandante foi surpreendido pela revolta de muitos passageiros, que o
procuravam para protestar. O navio, segundo eles diziam, estava seguindo uma
direção completamente errada. Pois eles entendiam também de navegação… Embora
lhes faltasse a longa experiência, tinham, no entanto em mãos o mesmo livro, os
mesmos mapas que serviam de guia ao comandante e a seus auxiliares e tinham
chegado à mesma conclusão de que estes estavam redondamente enganados. E diante
da recusa do comandante a modificar sua rota, resolveram em nome da liberdade,
abandonar o navio, construir, eles próprios, suas embarcações e seguir e seguir
o caminho que lhes parecia mais acertado. Boa sorte! – respondeu-lhes o
comandante. Mas os passageiros que ficaram a bordo, que tinham confiança na
velha empresa, no navio, naqueles que o dirigiam, nem tiveram tempo para ver
surgir no seu espírito qualquer sombra de dúvida, porque logo observaram que
aqueles que protestaram coalhavam o mar de barcos e barquinhos e barcaças de
toda qualidade, mas cada um seguia um rumo diferente…
Esta é precisamente a história do choque entre o
Protestantismo e a Igreja Católica. Alguém que esteja de parte observando a
luta doutrinária, sem ser nem de um lado nem de outro, ao ver a grita dos
protestantes e o entusiasmo com que vivem a citar a Bíblia, pode ainda ficar
com uma certa nuvem de dúvida no seu espírito sobre se a Igreja está mesmo em
perfeito acordo com as Escrituras. Mas, se tiver o cuidado de ver os
protestantes, como são, como divergem, como discutem, como titubeiam e se
contradizem, verá aumentar aos seus olhos o prestígio da Igreja. Ela é o antigo
mestre a rir-se dos ardores do jovem revolucionário ou como o velho comandante
a achar graça na cegueira dos barqueiros improvisados. Sim, porque uma coisa
está clara à vista de todos: dizer que alguém está errado é muito fácil, porque
falar é fôlego e cada um tem o seu modo de pensar. Mas há também o reverso da
medalha: quem acusa a outro de estar em erro, tem a obrigação de mostrar como é
o certo. E é aí que se mostra com evidência todo o fracasso do Protestantismo.”
A seguir ele acrescenta: “Há no protestantismo
doutrinas inteiramente contrárias umas às outras e onde há contradição há erro,
todos sabem disso, porque o mais universal de todos os princípios é de que uma
coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo.”
Foi feita uma pesquisa nos Estados Unidos
demonstrando que entre os critérios para um evangélico escolher sua nova igreja
é o tamanho do estacionamento. É isso o que é hoje o Protestantismo. E a grande
responsável por toda essa balbúrdia é justamente a Sola Scriptura.
Se procurarmos a vantagem dessa doutrina inventada
há apenas quinhentos anos, veremos que o que ela causou foi essa enorme divisão
no Protestantismo: uma clara demonstração de que se trata de doutrina meramente
humana!
Krogh Tonning, famoso teólogo protestante
norueguês, convertido ao Catolicismo já afirmava: “Quem trará à nossa presença
uma comunidade protestante que está de acordo sobre um corpo de doutrina bem
determinado? Portanto uma confusão (é a regra) mesmo dentre as matérias mais
essenciais” (Le protest. Contemp., Ruine
constitutionalle, p. 43 In I.R.C., Franca, L., pg 255. 7ª ed, 1953).
O próprio Lutero que apoiou-se nessa equivocada
doutrina reconheceu os malefícios que ela iria causar pelos séculos afora:
“Este não quer o batismo, aquele nega os sacramentos; há quem admita outro
mundo entre este e o juízo final, quem ensina que Cristo não é Deus; uns dizem
isto, outros aquilo, em breve serão tantas as seitas e tantas as religiões
quantas são as cabeças” (Luthers M. In. Weimar, XVIII, 547; De Wett III, 6l ).
E mais sério ainda: “Se o mundo durar mais tempo, será necessário receber de
novo os decretos dos concílios (católicos) a fim de conservar a unidade da fé
contra as diversas interpretações da Escritura que por aí correm” (Carta de
Lutero à Zwinglio In Bougard, Le Christianisme et les temps presents, tomo IV
(7), p. 289).
O protestante Samuel Weren Fels disse que na Bíblia
cada qual procura seus dogmas e nela os encontra.
Existem, no mundo de hoje, aproximadamente 30.000
denominações protestantes. Como poderemos explicar tais divisões? Cada uma
afirma ensinar a verdade. São 30.000 espíritos santos revelando cada verdade?
Ou existe apenas um Espírito Santo revelando uma verdade diferente para cada
uma delas? Como explicar a razão de existir 30.000 divisões no Protestantismo e
todas usando a mesma Bíblia? E o interessante é que todas garantem que estão
sendo verdadeiras intérpretes da Escritura. É incrível isso. Difícil é saber
realmente quem está certo diante de tão enorme divisão.
Os protestantes geralmente afirmam que todos
concordam “nas coisas importantes”. Mas, onde é que ocorre isso? Além do mais,
quais são essas coisas importantes? Ainda, quem é capaz, afinal, de decidir com
autoridade dentro do Protestantismo o que é importante na fé cristã e o que não
é, se o livre exame nega a existência de uma autoridade?
Diante de tudo isso, os solas cripturistas alegam
que a Tradição também não impediu a divisão doutrinária entre nós católicos e
ortodoxos e nem mesmo entre nós católicos. No entanto, embora a Sagrada
Tradição não tenha impedido a divisão doutrinária entre Católicos e Ortodoxos,
pela própria natureza desta divisão, ela não corrobora com isto, ao contrário
da Sola Scriptura (já que embute em si própria a doutrina do Livre Exame, que
torna cada leitor o seu próprio mestre.). Contrariamente à Sola Scriptura, é
exatamente a Sagrada Tradição que possibilita o encontro de cristãos católicos
e ortodoxos. Quanto à divisão no seio do próprio Catolicismo notemos também que
ele é facilmente solucionável: quando um católico se vê diante de ideias
conflitantes, ele consulta a posição oficial da Igreja e relaxa tranquilo, pois
ele tem certeza que a interpretação eclesiástica lhe responde séria e
verdadeiramente. Como dizia Sto. Agostinho: “Roma locuta, causa finita est.”
(Roma falou, acabou-se a questão). No Protestantismo, porém, é totalmente o
inverso, porque quando um fiel é acometido de uma dúvida doutrinária e ele vai
a um pastor para tirar-lhe a dúvida, irá deparar-se com uma opinião particular,
pessoal, consequentemente ele não relaxará tranquilo. De fato, no sistema
protestante é impossível alguém ter a certeza plena daquilo que diz crer, pois
eles confessam abertamente que não há autoridade infalível para nos explicar a
Bíblia. E como dizem isso e confessam não serem infalíveis (e se dissessem
seriam usurpadores), como, então, poderá um evangélico relaxar tranquilo crente
de que crer na verdade? E aqui ocorre o que eu acho interessante: é que apesar
de confessarem a sua falibilidade, os solascripturistas ainda querem nos
convencer de que nós católicos interpretamos erradamente as Sagradas Escrituras
e que eles é que são os legítimos intérpretes. Como, eu não sei, pois diante da
Babel de interpretações não sei no que afinal querem que nós católicos
creiamos. Além disso, com que pretensão fazem isso, pois se eles não são
autoridades definitivas na interpretação bíblica, como querem nos coagir na
nossa interpretação? Afinal, todos têm direito à livre-interpretação, menos nós
católicos? Há algum versículo bíblico que proíbam os católicos de livremente
interpretarem sua Bíblia? Onde?
Na realidade, no sistema protestante ninguém pode
garantir quem interpreta certo ou errado a Bíblia. Primeiro porque não
acreditam em uma autoridade final para nos garantir essa única interpretação e
segundo, porque qualquer denominação pode reivindicar o seu direito do
livre-exame. Que autoridade tem qualquer denominação para garantir que a
interpretação da outra é errada e que só a dela é a certa?
Certa vez disse Nosso Senhor: “Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos” (Mateus 7:17). Se julgarmos a Sola Scriptura pelos seus frutos, chegaremos a conclusão de que essa árvore deve ser cortada, e lançada ao fogo (Mt 7,19).
Certa vez disse Nosso Senhor: “Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos” (Mateus 7:17). Se julgarmos a Sola Scriptura pelos seus frutos, chegaremos a conclusão de que essa árvore deve ser cortada, e lançada ao fogo (Mt 7,19).
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