segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

SEXUALIDADE HUMANA - IV Elizabeth Kipman Cerqueira



1-    A SEXUALIDADE HUMANA E SUAS DIMENSÕES
Na dimensão somática - identificada como SEXUS por diversos autores, manifesta-se a ação hormonal, a exigência da distensão fisiológica, da união genital. A busca da ejaculação. O interesse pelo parceiro é circunstancial, resultado da atração física. Obtida a satisfação física, o interesse desaparece.  Tem por meta a corporalidade. Aqui se identifica o que se chama habitualmente de instinto sexual, comum aos animais. É a mais primitiva das atitudes sexuais.
No desenvolvimento pessoal, esta dimensão é normal na pré-adolescência ou na adolescência, por ocasião da ebulição das ações hormonais. A curiosidade impera bem como a dificuldade em controlar as manifestações físicas. Quando há um crescimento harmonioso da vontade, do intelecto, da sensibilidade social, é possível orientar estas percepções para uma integração dentro de um projeto de vida, sem proibições castradoras, mas com apelo a respostas livres a serem dadas frente aos questionamentos da vida (verdadeiro significado de responsabilidade).
A dimensão psicológica, também chamada de EROS, é imediatamente superior à anterior quanto ao aspecto da maturidade humana. Há nela algo mais do que os desejos físicos, corporais, algo que é humano, de origem psicológica. Não tem origem apenas nos estímulos hormonais. A atração vem não só do aspecto físico. Penetra em maior ou menor grau de profundidade, no anímico do parceiro.  É o enamoramento apaixonado.
Uma pessoa é atingida por certos aspectos da outra embora não ainda captada em seu “caráter único”. Orienta-se para os sentimentos, para a fantasia. Aí se encontra a necessidade de posse, de auto-afirmação. Necessidade de ter alguém para si e de ser importante para alguém. Dar e receber carinho. Brota da perseguição dos sonhos. Busca a “metade da laranja”, a “alma gêmea”, mas pelo que responde às necessidades pessoais. Orienta-se pelo que o outro “tem” ou aparenta ter, portanto se elege por aquilo que se quer que o outro seja ou que se imagina que ele seja.
O sentimento pode ser muito intenso, trazer a sensação do “para sempre”, mas é frágil, sujeito a conflitos como ciúme, insegurança, competição, manipulação e autoritarismo. Entretanto, neste encontro há a sensação de superação da solidão.
A vivência de unidade, embora frágil, “eterna enquanto dura”, pode representar uma das mais jubilosas experiências afetivas. Por este motivo, é fácil confundi-la como a forma exclusiva de relacionamento amoroso ou sua forma essencial.
Scheller chama o homem de um ser cosmopolita capaz de ser atraído e de se sentir unido em seu íntimo à circulação vital de todo o universo10. No ápice do ato sexual, sobretudo se envolvido na paixão enamorada, esta capacidade de sentir projeta o casal nesta própria corrente vital, tirando-os transitoriamente dos limites da órbita individual limitada. Experimentam a projeção na harmonia cósmica na própria sensação inconsciente de participar da fecundidade da sinfonia vital universal, porém ainda não é esta a vivência na plenitude de sua humanidade. A intensidade do gozo momentâneo pode levar a considerá-lo como a finalidade última, o sentido da união sexual.
Porém, o relacionamento, se reduzido a esta dimensão, sempre se gasta. Nunca o outro corresponde totalmente às expectativas. Há as decepções, há a rotina, o tempo que passa. Há sempre a possibilidade de ser despertada a paixão enamorada por outra pessoa e considerar findo o encantamento anterior.
Também este nível é vivido naturalmente na adolescência e na fase da personalidade ainda imatura da juventude. Quando vivido juntamente com o desenvolvimento de outros aspectos da personalidade, deixa gratas lembranças e é fator importante para a organização da própria identidade sexual, para a autoconfiança, para a disposição alegre e esperançosa em relação à vida sexual. Isto, desde que este nível não se absolutize, e a pessoa não se torne refém dos impulsos emotivos, subordinada ao “quero” e “tenho o direito” que seria a trava no desenvolvimento para a maturidade.
A terceira dimensão – PHILIA – tem por finalidade fazer desabrochar o relacionamento desinteressado que não exclui o orgasmo e a atração erótica, mas que cresce cada vez mais na aceitação mútua, no entendimento recíproco.  Abre-se o caminho ao respeito pelo o que o outro é. Num incessante fluxo e refluxo de emoções, sentimentos e emoções, cada um participa realmente da vida pessoal do outro. Visa a con-vivência, isto é, a repartir o próprio ser e suas riquezas. O espaço se amplia e o tempo se prolonga e se torna possível o olhar para o horizonte do definitivo. Não consiste numa identificação de vidas, numa sintonia emocional ou anímica. Nem mesmo consiste somente em se colocar no lugar do outro. Trata-se da percepção do ser interior do outro, por tudo o que ele é, pelas suas atitudes, pelo que se expressa. Abre-se a dimensão espiritual e quanto mais o amante percebe (capta, intui) a dimensão espiritual do amado, mais este se torna individual, o companheiro ou companheira enquanto ser único e insubstituível.
Pode-se finalmente falar em encontro sexual verdadeiramente humano. Encontro sempre se trata de uma relação de pessoa para pessoa que se reconhecem e se acolhem integralmente transformando-se em fator de crescimento recíproco.
Este é o nível onde desabrocha a maturidade e que envolve a pessoa em sua integridade. Não se confunda este processo de maturidade afetiva sexual com sublimação. A sublimação consiste no cerceamento do ímpeto sexual que então se manifesta de outra maneira. Como uma energia hidráulica represada que pode se transformar em energia elétrica ou pode romper os diques e provocar uma inundação. A origem é sempre a mesma energia. Não é isto que acontece a partir deste nível.
Aqui acontece a integração harmoniosa em direção a alguém, sem a negação do potencial afetivo sexual. Identifica-se a intencionalidade. Algo que brota do interior e tende para o outro, resulta numa saída de si. In-tende.
“O espiritual consegue – pede – uma expressão através do corporal e do anímico”8, mas a ação e a atitude brotam da dimensão espiritual que tem a capacidade de descobrir valores e de enriquecer o outro, e traz, como conseqüência, a felicidade.
Existe ainda uma quarta dimensão – ÁGAPE. Esta construção da maturidade sexual, para sua plena realização, convida sempre para um crescimento maior quanto ao relacionamento interpessoal. Agora se encontra a opção que leva ao verdadeiro êxtase – do grego ek-tasis – saída de si.
Assim como individualmente há um potencial para o desenvolvimento e criatividade do qual não é possível prever com exatidão o limite, ocorre o mesmo quanto às possibilidades de crescimento no diálogo e no encontro entre pessoas.
 A novidade do encontro interpessoal do qual a diferença de sexos é apenas um sinal, só não se gastará e será profundamente criativo se for aberto a dimensões que ultrapassam o eu-tu individual que se fecha na reciprocidade. Só neste contexto se pode falar em Amor.
O Amor como exigência de oblação, de saída de si em direção ao outro, só alcança a plena liberdade quando respeita a outra pessoa em sua essência e já ultrapassa os limites do tempo, da idade, das incapacidades.
A escolha do parceiro inclui a escolha pelo estímulo sensível e pelo que se espera que ele seja, bem como compreende a abertura para aceitá-lo pelo que ele é. Porém, esta escolha abre um caminho infinito de possibilidades de confiança, de ajuda mútua, de transmissão da certeza de que todo esforço compensa quando se abre para a aceitação do que o outro pode vir a ser. Significa uma vinculação única com uma pessoa que me leva a querer compartilhar a dignidade e a certeza do Amor com toda a comunidade humana na certeza de que a vida vale sempre a pena porque existe a possibilidade de amar e de ser amado.
Apenas o Amor abre a possibilidade de dar a própria vida pelo outro, indo contra qualquer instinto de sobrevivência.
Scheller define o Amor como um movimento espiritual em direção ao mais alto valor da pessoa amada. Uma atitude que leva a captar esse valor10. Quase como a “imagem” de algo invisível, ainda não realizado, porém possível.
A fidelidade e o compromisso são exigências espontâneas que partem da própria pessoa que ama. Não está subordinado nem mesmo à reciprocidade. O equilíbrio e a harmonia vêm da vivência do Amor como o ápice do encontro.
Ao optar pelo Amor traduzido em atitudes e maturidade na vivência da oblação diária, aparece uma conseqüência imprevista: o pleno encontro de si. Porque o Amor é um ato existencial que caracteriza a existência no que ela tem de humano. É o fenômeno propriamente humano, opção consciente.
“Não se pode falar de sexo sem falar de amor. Quando falamos de amor, devemos nos lembrar que este é um fenômeno especificamente humano. E devemos ver que isto seja preservado em sua humanidade, em vez de tratá-lo de forma reducionista. O que exatamente é o reducionismo? Eu o definiria como um procedimento pseudocientífico que toma os fenômenos humanos e ou os reduz ou os deduz de fenômenos subumanos. O amor é um aspecto do fenômeno humano mais amplo que eu passei a denominar auto-transcendência. (...) Sendo o amor um fenômeno humano em sua real natureza, o sexo começa a ser humano somente como o resultado de um processo de desenvolvimento, o produto de uma maturação progressiva” 11.

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