1- A SEXUALIDADE HUMANA E SUAS DIMENSÕES
Na
dimensão somática - identificada como SEXUS
por diversos autores, manifesta-se a ação hormonal, a exigência da distensão
fisiológica, da união genital. A busca da ejaculação. O interesse pelo parceiro
é circunstancial, resultado da atração física. Obtida a satisfação física, o
interesse desaparece. Tem por meta a
corporalidade. Aqui se identifica o que se chama habitualmente de instinto
sexual, comum aos animais. É a mais primitiva das atitudes sexuais.
No
desenvolvimento pessoal, esta dimensão é normal na pré-adolescência ou na
adolescência, por ocasião da ebulição das ações hormonais. A curiosidade impera
bem como a dificuldade em controlar as manifestações físicas. Quando há um
crescimento harmonioso da vontade, do intelecto, da sensibilidade social, é
possível orientar estas percepções para uma integração dentro de um projeto de
vida, sem proibições castradoras, mas com apelo a respostas livres a serem
dadas frente aos questionamentos da vida (verdadeiro significado de
responsabilidade).
A
dimensão psicológica, também chamada de EROS,
é imediatamente superior à anterior quanto ao aspecto da maturidade humana. Há
nela algo mais do que os desejos físicos, corporais, algo que é humano, de
origem psicológica. Não tem origem apenas nos estímulos hormonais. A atração
vem não só do aspecto físico. Penetra em maior ou menor grau de profundidade,
no anímico do parceiro. É o enamoramento
apaixonado.
Uma
pessoa é atingida por certos aspectos da outra embora não ainda captada em seu
“caráter único”. Orienta-se para os sentimentos, para a fantasia. Aí se
encontra a necessidade de posse, de auto-afirmação. Necessidade de ter alguém
para si e de ser importante para alguém. Dar e receber carinho. Brota da
perseguição dos sonhos. Busca a “metade da laranja”, a “alma gêmea”, mas pelo
que responde às necessidades pessoais. Orienta-se pelo que o outro “tem” ou
aparenta ter, portanto se elege por aquilo que se quer que o outro seja
ou que se imagina que ele seja.
O
sentimento pode ser muito intenso, trazer a sensação do “para sempre”, mas é
frágil, sujeito a conflitos como ciúme, insegurança, competição, manipulação e
autoritarismo. Entretanto, neste encontro há a sensação de superação da solidão.
A
vivência de unidade, embora frágil, “eterna enquanto dura”, pode representar
uma das mais jubilosas experiências afetivas. Por este motivo, é fácil
confundi-la como a forma exclusiva de relacionamento amoroso ou sua forma
essencial.
Scheller
chama o homem de um ser cosmopolita capaz de ser atraído e de se sentir unido
em seu íntimo à circulação vital de todo o universo10. No ápice do ato sexual, sobretudo se envolvido na paixão
enamorada, esta capacidade de sentir projeta o casal nesta própria corrente
vital, tirando-os transitoriamente dos limites da órbita individual limitada.
Experimentam a projeção na harmonia cósmica na própria sensação inconsciente
de participar da fecundidade da sinfonia vital universal, porém ainda não é
esta a vivência na plenitude de sua humanidade. A intensidade do gozo
momentâneo pode levar a considerá-lo como a finalidade última, o sentido da
união sexual.
Porém,
o relacionamento, se reduzido a esta dimensão, sempre se gasta. Nunca o outro
corresponde totalmente às expectativas. Há as decepções, há a rotina, o tempo
que passa. Há sempre a possibilidade de ser despertada a paixão enamorada por
outra pessoa e considerar findo o encantamento anterior.
Também
este nível é vivido naturalmente na adolescência e na fase da personalidade
ainda imatura da juventude. Quando vivido juntamente com o desenvolvimento de
outros aspectos da personalidade, deixa gratas lembranças e é fator importante
para a organização da própria identidade sexual, para a autoconfiança, para a
disposição alegre e esperançosa em relação à vida sexual. Isto, desde que este
nível não se absolutize, e a pessoa não se torne refém dos impulsos emotivos,
subordinada ao “quero” e “tenho o direito” que seria a trava no desenvolvimento
para a maturidade.
A
terceira dimensão – PHILIA –
tem por finalidade fazer desabrochar o relacionamento desinteressado que não
exclui o orgasmo e a atração erótica, mas que cresce cada vez mais na aceitação
mútua, no entendimento recíproco. Abre-se
o caminho ao respeito pelo o que o outro é. Num incessante fluxo e refluxo de
emoções, sentimentos e emoções, cada um participa realmente da vida pessoal do
outro. Visa a con-vivência, isto é, a repartir o próprio ser e suas riquezas. O
espaço se amplia e o tempo se prolonga e se torna possível o olhar para o
horizonte do definitivo. Não consiste numa identificação de vidas, numa
sintonia emocional ou anímica. Nem mesmo consiste somente em se colocar no
lugar do outro. Trata-se da percepção do ser interior do outro, por tudo o
que ele é, pelas suas atitudes, pelo que se expressa. Abre-se a dimensão
espiritual e quanto mais o amante percebe (capta, intui) a dimensão espiritual
do amado, mais este se torna individual, o companheiro ou companheira enquanto
ser único e insubstituível.
Pode-se
finalmente falar em encontro sexual verdadeiramente humano. Encontro sempre se
trata de uma relação de pessoa para pessoa que se reconhecem e se acolhem
integralmente transformando-se em fator de crescimento recíproco.
Este
é o nível onde desabrocha a maturidade e que envolve a pessoa em sua
integridade. Não se confunda este processo de maturidade afetiva sexual com
sublimação. A sublimação consiste no cerceamento do ímpeto sexual que então se
manifesta de outra maneira. Como uma energia hidráulica represada que pode se
transformar em energia elétrica ou pode romper os diques e provocar uma
inundação. A origem é sempre a mesma energia. Não é isto que acontece a partir
deste nível.
Aqui
acontece a integração harmoniosa em direção a alguém, sem a negação do potencial
afetivo sexual. Identifica-se a intencionalidade. Algo que brota do interior e
tende para o outro, resulta numa saída de si. In-tende.
“O
espiritual consegue – pede – uma expressão através do corporal e do anímico”8, mas a ação e a atitude brotam da dimensão
espiritual que tem a capacidade de descobrir valores e de enriquecer o outro, e
traz, como conseqüência, a felicidade.
Existe
ainda uma quarta dimensão – ÁGAPE.
Esta construção da maturidade sexual, para sua plena realização, convida sempre
para um crescimento maior quanto ao relacionamento interpessoal. Agora se
encontra a opção que leva ao verdadeiro êxtase – do grego ek-tasis – saída de si.
Assim
como individualmente há um potencial para o desenvolvimento e criatividade do
qual não é possível prever com exatidão o limite, ocorre o mesmo quanto às
possibilidades de crescimento no diálogo e no encontro entre pessoas.
A novidade do encontro interpessoal do qual a
diferença de sexos é apenas um sinal, só não se gastará e será profundamente
criativo se for aberto a dimensões que ultrapassam o eu-tu individual que se
fecha na reciprocidade. Só neste contexto se pode falar em Amor.
O
Amor como exigência de oblação, de saída de si em direção ao outro, só alcança
a plena liberdade quando respeita a outra pessoa em sua essência e já
ultrapassa os limites do tempo, da idade, das incapacidades.
A
escolha do parceiro inclui a escolha pelo estímulo sensível e pelo que se
espera que ele seja, bem como compreende a abertura para aceitá-lo pelo que ele
é. Porém, esta escolha abre um caminho infinito de possibilidades de confiança,
de ajuda mútua, de transmissão da certeza de que todo esforço compensa quando
se abre para a aceitação do que o outro pode vir a ser. Significa uma
vinculação única com uma pessoa que me leva a querer compartilhar a dignidade e
a certeza do Amor com toda a comunidade humana na certeza de que a vida vale
sempre a pena porque existe a possibilidade de amar e de ser amado.
Apenas
o Amor abre a possibilidade de dar a própria vida pelo outro, indo contra
qualquer instinto de sobrevivência.
Scheller
define o Amor como um movimento espiritual em direção ao mais alto valor da
pessoa amada. Uma atitude que leva a captar esse valor10. Quase como a “imagem” de algo invisível,
ainda não realizado, porém possível.
A
fidelidade e o compromisso são exigências espontâneas que partem da própria
pessoa que ama. Não está subordinado nem mesmo à reciprocidade. O equilíbrio e
a harmonia vêm da vivência do Amor como o ápice do encontro.
Ao
optar pelo Amor traduzido em atitudes e maturidade na vivência da oblação
diária, aparece uma conseqüência imprevista: o pleno encontro de si.
Porque o Amor é um ato existencial que caracteriza a existência no que ela tem
de humano. É o fenômeno propriamente humano, opção consciente.
“Não
se pode falar de sexo sem falar de amor. Quando falamos de amor, devemos nos
lembrar que este é um fenômeno especificamente humano. E devemos ver que isto
seja preservado em sua humanidade, em vez de tratá-lo de forma reducionista. O
que exatamente é o reducionismo? Eu o definiria como um procedimento
pseudocientífico que toma os fenômenos humanos e ou os reduz ou os deduz de
fenômenos subumanos. O amor é um aspecto do fenômeno humano mais amplo que eu
passei a denominar auto-transcendência. (...) Sendo o amor um fenômeno humano
em sua real natureza, o sexo começa a ser humano somente como o resultado de um
processo de desenvolvimento, o produto de uma maturação progressiva” 11.
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