1- MOMENTO DE LIBERAÇÃO E DE PERPLEXIDADE
Se
usarmos os recursos todos da ciência, da cibernética, da tecnologia, da
filosofia e da antropologia seria possível adentrar com segurança na questão da
sexualidade?
Para
defini-la e sobretudo chegar a uma indicação segura sobre a melhor maneira de
vivê-la, deve-se partir de uma imagem clara da pessoa humana sexuada, homem ou
mulher.
Porém,
talvez seja ingenuidade definir o que é ser
pessoa humana sexuada numa sociedade em que a ordem é a mutação, nada sendo
considerado certo, definitivo ou absoluto e “a tolerância se revela como o
valor prioritário de toda a sociedade”3.
No atual contexto cultural ocidental, surge até a indiferença diante da
dificuldade em encontrar uma fundamentação segura.
Uma
vez estabelecido que a verdade objetiva não está garantida, a melhor solução é
que cada um aja conforme sua vontade. Ou, mais, a própria liberdade de agir
conforme parecer conveniente a cada pessoa é apresentada como o valor único de
referência.
Naturalmente,
surge a inclinação em direção ao menos exigente e ao que incomoda menos,
sobretudo em uma sociedade globalizada, em que o consumo e o conforto é a
válvula de escape, sinal de poder e de sucesso e, ao mesmo tempo, está
impregnada pelo conceito de que a regulação do instinto pela moral ou pela
ética leva a uma patologia, à perda da liberdade. Aqui entram em concordância
os que temem a “moral burguesa e reacionária que oprime a mulher”4.
Para
alguns, a sexualidade humana é comum aos animais, apenas complicada com o
desenvolvimento afetivo e racional da espécie. A ética civil tende, então, a se
reduzir ao mínimo indispensável trazendo para o horizonte do comportamento
sexual, a tolerância quase total, desde que exista o consentimento das partes
envolvidas.
O
bem e o mal vêm se configurando por força da lei e pode se tornar cada vez mais
confuso distinguir entre o legal e o ético trazendo o perigo do conformismo
diante do que parece ser a opinião da maioria. São apresentados fundamentos nos
modelos da Ética subjetivista ou
liberal-radical, ancorando-se nas bases do modelo pragmático-utilitarista ao procurar o acordo para uma convivência
social5.
No
centro da revolução sexual, o
puritanismo que tanto escravizou em épocas anteriores tende a ser substituído
pela submissão diante dos impulsos da sexualidade como diante de um destino
imposto.
Nesse
contexto, o próprio projeto educativo torna-se o da libertação total de regras
e a ética se reduziria à responsabilidade exclusiva de evitar as conseqüências
desagradáveis, sobretudo uma gravidez não planejada e as doenças sexualmente
transmissíveis6.
Entretanto,
os questionamentos sobre a sexualidade persistem em meio à constatação de sua
força explosiva e de sua ambigüidade.
O
que de início aparece como uma pulsão simples apresenta raízes e ligações
imprevistas. Na aparência, motiva um atuar livre, mas está também sujeita a
forças ocultas dificilmente identificáveis. Utiliza uma linguagem de ternura,
porém inesperadamente pode desencadear agressividades profundas.
É
lugar de gozo e de festa, mas pode cair na tristeza, no desânimo, no
desencanto. Sobretudo, dificilmente a pessoa se diz saciada ao dar livre vazão
aos seus impulsos como aconteceria com outro impulso biológico.
No
campo da sexualidade, constata-se como a pessoa humana é muito mais complexa do
que se detecta exteriormente. É preciso reconhecer a existência de algo que
permite descobrir uma realidade simbólica, um sentido que se expressa através
de cada fato existencial levando a ultrapassar o naturalismo biológico,
sobretudo naqueles atos que mais profundamente atingem a própria intimidade
inatingível à análise científica: o núcleo da vida, o próprio eu.
Aqui se inclui a percepção da busca da
felicidade e a constatação de que, para além do caráter lúdico e do caráter
impulsivo do sexo, encontra-se a sinalização de uma intencionalidade mais
profunda, bem como o potencial de procurar seu objetivo e sua realização.
Ao
buscarmos uma antropologia que melhor defina a pessoa humana, nos propomos a
encontrar o caminho mais seguro de resposta aos seus anseios que transcendem os
condicionamentos circunstanciais e que sinalize como integrar os fatos
existenciais em um propósito de vida.
Isto,
sem dúvida, é um dos objetivos da Bioética. A ponte que visa não só a
sobrevivência da humanidade, mas que pode indicar rumos para uma realização
individual plena e propriamente humana como também apresenta bases para a
exigência irrenunciável de organizar o comportamento humano em sociedade.
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