sexta-feira, 25 de março de 2016

Entenda o significado do beijo na Cruz na Sexta-feira Santa

Ao beijar a Santa Cruz, podemos ter a plena certeza: Jesus não é simplesmente um mestre de como viver bem esta vida
Em todo o ano, existe somente um dia em que não se celebra a Santa Missa: a Sexta-Feira Santa. Ao invés da Missa temos uma celebração que se chama Funções da Sexta-feira da Paixão, que tem origem em uma tradição muito antiga da Igreja que já ocorria nos primeiros séculos, especialmente depois da inauguração da Basílica do Santo Sepulcro e do reencontro da Santa Cruz por parte de Santa Helena (ano 335 d.C.).
Esta celebração é dividida em três partes: a primeira é a leitura da Sagrada Escritura e a oração universal feita por todas as pessoas de todos os tempos; a segunda é a adoração da Santa Cruz e a terceira é a Comunhão Eucarística, juntas formam o memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor. Memorial não é apenas relembrar ou fazer memória dos fatos, é realmente celebrar agora, buscando fazer presente, atual, tudo aquilo que Deus realizou em outros tempos. Mergulhamos no tempo para nos encontrarmos com a graça de Deus no momento que operou a salvação e, ao retornarmos deste mergulho, a trazemos em nós.
Os cristãos peregrinos dos primeiros séculos a Jerusalém nos descrevem, através de seus diários que, em um certo momento desta celebração, a relíquia da Santa Cruz era exposta para adoração diante do Santo Sepulcro. Os cristãos, um a um, passavam diante dela reverenciando e beijando-a. Este momento é chamado de Adoração à Santa Cruz, que significa adorar a Jesus que foi pregado na cruz através do toque concreto que faziam naquele madeiro onde Jesus foi estendido e que foi banhado com seu sangue.
Em nosso mundo de hoje, falar da Adoração à Santa Cruz pode gerar confusão de significado, mas o que nós fazemos é venerar a Cruz e, enquanto a veneramos, temos nosso coração e nossa mente que ultrapassa aquele madeiro, ultrapassa o crufixo, ultrapassa mesmo o local onde estamos, até encontrar-se com Nosso Senhor pregado naquela cruz, dando a vida para nos salvar. Quando beijamos a cruz, não a beijamos por si mesma, a beijamos como quem beija o próprio rosto de Jesus, é a gratidão por tudo que Nosso Senhor realizou através da cruz. O mesmo gesto o padre realiza no início de cada Missa ao beijar o Altar. É um beijo que não pára ali, é beijar a face de Jesus. Por isso, não se adora o objeto. O objeto é um símbolo, ao reverênciá-lo mergulhamos em seu significado mais profundo, o fato que foi através da Cruz que fomos salvos.
Nós cristãos temos a consciência que Jesus não é apenas um personagem da história ou alguém enclausurado no passado acessível através da história somente. “Jesus está vivo!” Era o que gritava Pedro na manhã de Pentecostes e esse era o primeiro anúncio da Igreja. Jesus está vivo e atuante em nosso meio, a morte não O prendeu. A alegria de sabermos que, para além da dolorosa e pesada cruz colocada sobre os ombros de Jesus, arrastada por Ele em Jerusalém, na qual foi crucificado, que se torna o simbolo de sua presença e do amor de Deus, existe Vida, existe Ressurreição. Nossa vida pode se confundir com a cruz de Jesus em muitos momentos, mas diante dela temos a certeza que não estamos sós, que Jesus caminha conosco em nossa via sacra pessoal e, para além da dor, existe a salvação.
Ao beijar a Santa Cruz, podemos ter a plena certeza: Jesus não é simplesmente um mestre de como viver bem esta vida, como muitos se propõem, mas o Deus vivo e operante em nosso meio.

SIGNIFICADO DA SEXTA-FEIRA SANTA


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A Sexta-feira Santa, ou 'Sexta-feira da Paixão', é a Sexta-feira antes do Domingo de Páscoa. É a data em que os cristãos lembram o julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus Cristo, através de diversos ritos religiosos. 

Segundo a tradição cristã, a ressurreição de Cristo aconteceu no domingo seguinte ao dia 14 de Nisã, no calendário hebraico. A mesma tradição refere ser esse o terceiro dia desde a morte. Assim, contando a partir do domingo, e sabendo que o costume judaico, tal como o romano, contava o primeiro e o último dia, chega-se à sexta-feira como dia da morte de Cristo.

A Sexta-feira Santa é um feriado móvel que serve de referência para outras datas. É calculado como sendo a primeira Sexta-feira de lua cheia após o equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte, podendo ocorrer entre 22 de março e 25 de abril.

Na Igreja Católica, este dia pertence ao Tríduo pascal, o mais importante período do ano litúrgico. A Igreja celebra e contempla a paixão e morte de Cristo, pelo que é o único dia em que não se celebra, em absoluto, a Eucaristia.

Por ser um dia em que se contempla de modo especial Cristo crucificado, as regras litúrgicas prescrevem que neste dia e no seguinte (Sábado Santo) se venere o crucifixo com o gesto da genuflexão, ou seja, de joelhos.

No entanto, mesmo sem a celebração da missa, tem lugar, no rito romano, uma celebração litúrgica própria deste dia. Tal celebração tem alguma semelhança com a celebração da Eucaristia, na sua estrutura, mas difere essencialmente desta pelo facto de não ter Oração eucarística, a mais importante parte da missa católica.

A celebração da morte do Senhor consiste, resumidamente, na adoração de Cristo crucificado, precedida por uma liturgia da Palavra e seguida pela comunhão eucarística dos participantes. Presidida por um presbítero ou bispo, paramentado como para a missa, de cor vermelha, a celebração segue esta estrutura:

  • Entrada em silêncio do presidente e dos ministros, que se prostram em adoração diante do altar oração colecta.
  • Liturgia da Palavra: leitura do livro de Isaías (quarto cântico do servo de Javé, Is 52,13-53,12), salmo 31 (30), leitura da Epístola aos Hebreus (Hebr 4, 14-16; 5, 7-9), aclamação ao Evangelho e leitura do Evangelho da Paixão segundo João (Jo 18,1-19,42, geralmente em forma dialogada).
  • Homilia e silêncio de reflexão.
  • Oração Universal, mais longa e solene do que a da missa, seguindo o esquema intenção – silêncio – oração do presidente.
  • Adoração da Cruz: a cruz é apresentada aos fiéis e adorada ao som de cânticos.
  • Pai Nosso
  • Comunhão dos fiéis presentes. Toma-se pão consagrado no dia anterior, Quinta-Feira Santa.
  • Oração depois da comunhão.
  • Oração sobre o povo. 

    Obs: Em muitas cidades históricas como: Paraty, Ouro Preto, Pirenópolis e Jaraguá - GO a Celebração da Paixão e Morte do Senhor é procedida da Procissão do Enterro, também conhecida como Procissão do Senhor Morto, em que são cantados motetos em latim.

    Toda a liturgia católica deste dia está em função de Cristo crucificado. Assim, a liturgia da Palavra pretende introduzir os fiéis no mistério do sofrimento e da morte de Jesus, que assim aparece como uma acção livre de Cristo em ordem à salvação de toda a humanidade.

    A veneração da cruz, símbolo da salvação, pretende dar expressão concreta à adoração de Cristo crucificado.

    A comunhão eucarística é, para a Igreja, a forma mais perfeita de união com o Mistério pascal de Cristo, e por isso é um ponto culminante na união dos fiéis com Cristo crucificado. O fato de se comungar do pão consagrado no dia anterior vem exprimir e reforçar a unidade de todo o Tríduo Pascal.

    Além da celebração da Paixão do Senhor, rezam-se as diversas horas litúrgicas da Liturgia das Horas.

A Igreja exorta os fiéis a que neste dia observem alguns sinais de penitência, em respeito e veneração pela morte de Cristo. Assim, convida-os à prática do jejum e da abstinência da carne.

Exercícios piedosos, como a Via Sacra e o Rosário, são também recomendados como forma de assinalar este dia especialmente importante para a fé cristã.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Quinta-feira Santa - - Eucaristia: Sacramento do amor Por: Dom Eduardo Koaik Bispo Emérito de Piracicaba

A celebração da Semana Santa encontra seu ápice no Tríduo Pascal, que compreende a Quinta-feira Santa, a sexta-feira da paixão e morte do Senhor e a solene Vigília Pascal, no sábado à noite. Esses três dias formam uma grande celebração da páscoa memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

A liturgia da Quinta-feira Santa nos fala do amor, com a cerimônia do Lava-pés, a proclamação do novo mandamento, a instituição do sacerdócio ministerial e a instituição da Eucaristia, em que Jesus se faz nosso alimento, dando-nos seu corpo e sangue. É a manifestação profunda do seu amor por nós, amor que foi até onde podia ir: "Como Ele amasse os seus amou-os até o fim". 

A Eucaristia é o amor maior, que se exprime mediante tríplice exigência: do sacrifício, da presença e da comunhão. O amor exige sacrifício e a Eucaristia significa e realiza o sacrifício da cruz na forma de ceia pascal. Nos sinais do pão e do vinho, Jesus se oferece como Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo: "Ele tomou o pão, deu graças, partiu-o e distribuiu a eles dizendo: isto é o meu Corpo que é dado por vós.

Fazei isto em memória de ' mim. E depois de comer, fez o mesmo com o cálice dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado por vós" (Lc 22,19-20). Pão dado, sangue derramado pela redenção do mundo. Eis aí o sacrifício como exigência do amor.

O amor, além do sacrifício, exige presença. A Eucaristia é a presença real do Senhor que faz dos sacrários de nossas Igrejas centro da vida e da oração dos fiéis. 

A fé cristã vê no sacrário de nossas igrejas a morada do Senhor plantada ao lado da morada dos homens, não os deixando órfãos, fazendo-lhes companhia, partilhando com eles as alegrias e as tristezas da vida, ensinando-lhes o significado da verdadeira solidariedade: "Estarei ao lado de vocês como amigo todos os momentos da vida". Eis a presença, outra exigência do amor.

A Eucaristia, presença real do Amigo no tabernáculo de nossos templos, tem sido fonte da piedade popular como demonstra o hábito da visita ao Santíssimo e da adoração na Hora Santa. Impossível crer nessa presença e não acolhê-la nas situações concretas do dia-a-dia. 

Vida eucarística é vida solidária com os pobres e necessitados. Não posso esquecer a corajosa expressão de Madre Teresa de Calcutá que, com a autoridade do seu impressionante testemunho de dedicação aos mais abandonados da sociedade, dizia: "A hora santa diante da Eucaristia deve nos conduzir até a hora santa diante dos pobres. Nossa Eucaristia é incompleta se não levar-nos ao serviço dos pobres por amor."

O amor não só exige sacrifício e presença, mas exige também comunhão. Na intimidade do diálogo da última Ceia, Jesus orou com este sentimento de comunhão com o Pai e com os seus discípulos: "Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti... que eles estejam em nós" (Jo 17,20-21).

Jesus Eucarístico é o caminho que leva a esta comunhão ideal. Comer sua carne e beber seu sangue é identificar-se com Ele no modo de pensar, nos sentimentos e na conduta da vida. Todos que se identificam com Ele passam a ter a mesma identidade entre si: são chamados de irmãos seus e o são de verdade, não pelo sangue, mas pela fé. Eucaristia é vida partilhada com os irmãos. Eis a comunhão como exigência do amor.

Vida eucarística é amar como Jesus amou. Não é simplesmente amar na medida dos homens o que chamamos de filantropia. É amar na medida de Deus o que chamamos de caridade. A caridade nunca enxerga o outro na posição de inferioridade. É a capacidade de sair de si e colocar-se no lugar do outro com sentimento de compaixão, ou seja, de solidariedade com o sofrimento do outro. Caridade é ter com o outro uma relação de semelhança e reconhecer-se no lugar em que o outro se encontra...

Na morte redentora na cruz, Cristo realiza a suprema medida da caridade "dando sua vida" e amando seus inimigos no gesto do perdão: "Pai, perdoai-lhes pois eles não sabem o que fazem." A Eucaristia não deixa ficar esquecido no passado esse gesto, que é a prova maior do amor de Deus por nós. Para isso, deixa-nos o mandamento: "Façam isso em minha memória".

Caridade solidária é o gesto de descer até o necessitado para tirá-lo da sua miséria e trazê-lo de volta a sua dignidade. A Eucaristia é o gesto da caridade solidária de Deus pela humanidade. "Eu sou o Pão da vida que desceu do céu. Quem come deste Pão vencerá a morte e terá vida para sempre".

quarta-feira, 9 de março de 2016

Retiro do Papa: Jesus é o mestre do coração

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retiro papa
“Jesus é o mestre do coração, Jesus não dá lições, não sugere respostas, conduz com delicadeza a procurar dentro de nós”, afirma o padre Ronchi, pregador dos exercícios espirituais para o Papa e a Cúria
A Igreja saiba “colocar-se à parte” para que no seu anúncio faça brilhar sempre o rosto de Deus – não ela mesma. É a exortação feita pelo Padre Ermes Ronchi na quarta meditação dos exercícios espirituais que ele prega ao Papa Francisco e à Cúria Romana, na Casa “Divino Mestre”, em Ariccia. A inspiração da reflexão da manhã desta terça-feira (08/03), veio da passagem em que Pedro faz a sua profissão de fé em Cristo.
A pergunta que Jesus faz aos discípulos ressoa no reparo do “lugar afastado” para onde o Mestre conduziu os discípulos. Por qualquer momento nada de reuniões e o barulho da multidão, mas somente “silêncio, solicitude e oração”. Somente um momento de intimidade “entre eles e entre eles e Deus”. E neste silêncio, aquela pergunta de Jesus que parece uma sondagem de opinião: “Mas quem dizeis vós que Eu sou?”.
O melhor negócio da minha vida
No silêncio análogo do retiro em Ariccia, Padre Ermes Ronchi coloca o Papa e sues colaboradores da Cúria diante da mesma solicitação. E, sobretudo, àquele “mas” que Jesus acrescenta, que percorre a alma: “Mas quem dizeis vós que Eu sou?”. Um modo para dizer aos seus – observa Padre Ronchi, de não se contentar daquilo que dizem as pessoas, porque “a fé não avança por ter ouvido falar”:
“A resposta que Jesus procura não são palavras. Ele procura pessoas. Não definições, mas envolvimentos: o que te aconteceu, quando me encontraste? Jesus é o mestre do coração, Jesus não dá lições, não sugere respostas, conduz com delicadeza a procurar dentro de nós. E eu gostaria de poder responder: te encontrar foi o melhor negócio da minha vida. Foste a melhor coisa que jamais me aconteceu”.
A fé caminha
“Quem sou eu para ti”? é uma pergunta de “enamorados”, diz o pregador dos exercícios. E o que surpreende é que Jesus “não doutrina ninguém”. Os discípulos não devem temer em dar respostas prontas àquela pergunta, “não há nenhum Credo a ser composto”, afirma Padre Ronchi. A Jesus interessa saber se os seus abriram o coração. Afirmar, como faz Pedro, que Cristo é “o filho do Deus Vivo” é uma verdade que tem sentido se Cristo “está vivo dentro de nós”.
“O nosso coração – diz ainda o pregador – pode ser o berço ou a sepultura de Deus”:
“Querem realmente saber algo sobre mim, diz Jesus, e ao mesmo tempo sobre vocês? Temos um compromisso: um homem na cruz. Um que é colocado no alto. Antes ainda, quinta-feira, o compromisso de Cristo será um outro: um que está em um lugar abaixo. Que pega um pano e se inclina para lavar os pés dos seus (…) Razão a Paulo: o cristianismo é escândalo e loucura. Agora entendemos quem é Jesus: é beijo a quem o trai. Não divide ninguém, divide a si mesmo. Não derrama o sangue de ninguém, derrama o seu sangue. Não sacrifica ninguém, sacrifica a si mesmo”.
“Refletores” em Cristo
Até o momento daquela pergunta feita no silêncio, o discípulos não tinham ainda entendido o que estava prestes a acontecer a seu Mestre. Por isso Jesus é rigoroso ao impor-lhes de não dizer nada a ninguém. “Um comando severo” que “chega a toda a Igreja”, destaca o pregador, “porque às vezes já pregamos um rosto deformado de Deus”.
Nós, eclesiásticos, nota Padre Ronchi, “parecemos todos iguais” – mesmos gestos, palavras, vestidos. Mas as pessoas se perguntam: “Diga-me a sua experiência de Deus”. E Cristo, prossegue, “não é aquilo que digo Dele mas aquilo que vivo Dele”. “Não somos nós o mediadores entre Deus e a humanidade, o verdadeiro mediador é Jesus”, conclui o pregador. Como João Batista, devemos preparar a estrada e “colocar-nos à parte”.
“Pensem na beleza de um igreja que não acende os refletores sobre ela mesma – como nestes dias aqui recolhidos – mas sobre um Outro. Temos ainda um caminho a percorrer. Diminuir (…) Jesus não diz “pegue a minha cruz”, mas a sua, cada um a sua (…) O sonho de Deus não é um cortejo sem medidas de homens, mulheres e crianças, cada um com a sua cruz sobre os ombros. Mas de pessoas encaminhadas em direção a uma vida boa, contente e criativa. Uma vida que tem um preço tenaz de compromisso e perseverança. Mas também um preço doce, de luz: no terceiro dia ressuscitará”.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Filho pródigo, pai misericordioso


O-pai-misericordioso-e-os-dois-filhos (1)O Tempo da Quaresma continua. Um programa de renovação da vida cristã. Começou por viver os quarenta dias de deserto de Cristo Jesus para preparar a pregação do Evangelho.O básico está no Convertei-vos e crede no Evangelho. Escutamos de Jesus a narração de uma de suas parábolas mais belas, a do filho pródigo. Nela o verdadeiro protagonista é o Pai, que na sua misericórdia reconcilia os seus filhos consigo.Também nós, como o filho pródigo, nos afastamos do Pai, ao menos algumas vezes, ainda que nos custe admitir.
Talvez seja a página mais conhecida de todos os Evangelhos. Muitos não crentes a conhecem. Inspirou poetas, escritores. A aventura deste jovem desordenado, com grande vontade de viver e gastar tudo, depois reduzido à miséria, volta à casa paterna mas não ousa nem mesmo pedir perdão. De longe o pai com o coração cheio de alegria esquecendo o passado prepara uma festa. Uma história de jovens de todos os tempos, hoje submetidos na maioria às drogas.
Esta parábola (Lucas 15,1-3.11-32)supõe algumas explicações. Jesus certamente contou esta história endereçada aos fariseus e escribas que murmuravam contra Jesus, porque ele recebia pecadores e comia com eles. Reprovavam ao Senhor que veio para salvar os pecadores, de estar com eles, de familiarizar-se com eles e de fazer-se amigo deles. Fariseus e escribas julgavam-se os justos.
As categorias de pessoas com as quais Jesus devia misturar-se todos os dias são portanto duas: os chamados pecadores que Jesus frequentava bastante, e os chamados justos que o olhavam de longe com olhos malévolos. As duas categorias parecem coincidir com os dois filhos.
O rapaz desordenado no final tornou-se capaz de recuperação inesperada, capaz de conversão. Entra em si mesmo,toma consciência das loucuras que fez, reconhece o próprio erro, se arrepende, volta e obtém o perdão.  Ao contrário o jovem julgado bom,obediente, exemplar, revela-se egoísta, hostil para com seu irmão. Não se alegra porque seu irmão voltou, mas o reprova e faz-se ofendido. Gloria-se de seus méritos. Revolta-se contra o perdão dado pelo pai.
Sobretudo na narração aparece a figura paterna de Deus: o velho pai que ama os filhos, mesmo quando se desviam, porque são seus, que espera com ânsia o que se perdeu, e espera poder reavê-lo são e salvo em casa, e cada dia fica a olhar o horizonte na espera do retorno, que apareça no horizonte. Depois explode na alegria e no perdão, e faz grande festa. A simpatia de Jesus vai ao filho pródigo, não porque dissipa e peca, mas porque é capaz de conversão e retorno ao Pai. Alguns acham que estão representados no filho fiel que permaneceu em casa; de fato são reprovados por Jesus por mesquinhez, obediência penosa, hipocrisia porque se revelam incapazes de amar um seu irmão.
Jesus portanto contou a parábola por tantos motivos: para justificar a sua atitude de receber os pecadores convidando-os à conversão, e tomar distância de quem por hipocrisia se comporta aparentemente como homem justo quando na realidade não o é. E,sobretudo quis celebrar a misericórdia de seu Pai Celeste. O personagem principal da narração não é o filho pródigo e tanto menos o filho obediente, mas o pai, com sua ânsia e seu amor. É portanto o pai misericordioso.
Assim Jesus nos revela o verdadeiro rosto de Deus: pai amoroso e pronto ao perdão. Revela que a sua própria missão é de procurar os pecadores, chamá-los à conversão do coração, e salvar o que estava perdido.  E nos coloca de sobreaviso no julgar muito depressa os outros.
Jesus nos recorda o estilo de vida dos fariseus e nos admoesta: não julguemos os outros, não os condenemos. Eles podem também errar, mas são filhos de Deus, igualmente amados, podem converter-se e voltar ao Pai.
Se temos delicadeza de consciência,descobrimos que também nós não somos irrepreensíveis, somos como o filho pródigo, desperdiçamos os dons de Deus. Somos caridosos com nossos familiares, amigos, mas não com os outros. Existe gente perto de nós que sofre e precisa de ajuda e não nos tocamos. Jesus quer ter um encontro com cada um de nós.
Cardeal Geraldo Majella Agnelo

domingo, 6 de março de 2016

A verdadeira alegria da castidade


paixao-amorA juventude é um tempo em que estamos particularmente predispostos à alegria; à procura de divertimentos; abertos à novas experiências e sensações. É um tempo em que é praticamente impossível ficar parado! Nos envolvemos fácil e naturalmente em atividades agitadas que possam nos proporcionar “felicidade”, algum prazer, uma sensação de liberdade, de potência; de juventude mesmo. Temos necessidade de certa dose de aventura, precisamos descarregar adrenalina, colocar para fora toda a energia que temos armazenada em nós; e isso é muito bom. É sinal da nossa juventude, vitalidade e saúde física e mental.
Para encontrar o que procuramos, nos são oferecidas inúmeras opções. Esportes radicais para todos os gostos: rappel, mountain bike, trilha, skate, surf, bungee jump, alpinismo, snowboard (…); Filmes de todos os gêneros: drama, policial, aventura, suspense, ficção científica, romance “água com açúcar”; tudo isso sem falar nos muitos tipos de Festa que aparecem por aí todos os dias: festa à fantasia, luau “não sei de quê”, uma noite “não sei onde”, as raves (aquelas festas meio clandestinas em que se ouve música e se dança ao ar livre ou em tendas), festivais de rock… há também aquelas festas cujo tema são bebidas alcóolicas: festa da Tequila, festival da cerveja… Além de músicas nos mais variados ritmos, com letras com igual (ou até maior) variedade de níveis, para “dançar a noite inteira” ou então para “ouvir comendo chocolate”, como se costuma falar…
Sem dúvida, um verdadeiro banquete para os nossos sentidos!
Como sabemos, os sentidos são como que portas que dão aceso à nossa alma; e justamente por isso precisamos ter todo cuidado com aquilo que, de certa forma, permitimos que passe através delas. O bombardeio de sons, palavras, imagens, sensações enfim, nos fragiliza, nos deixa praticamente sem defesa; acaba por roubar nosso coração e pensamento do Bom, do Belo e surge em nossa consciência uma espécie de cortina de fumaça, que dificulta a distinção, a separação do que é bom e lícito para nós, daquilo que não nos convém como cristãos, como filhos muitíssimo amados de Deus. Desse modo, acabamos por expor nossa alma, nosso ser mais íntimo e as nossas faculdades (memória, afetividade… e especialmente a imaginação) à contaminações e feridas que poderiam muito bem ser evitadas se soubéssemos nos preservar, se ficássemos mais atentos ao que “engolimos” através dos nossos sentidos.
Selecionar nossos divertimentos de modo algum nos fará “menos jovens”; mas certamente nos tornará mais responsáveis por nós mesmos e pelas nossas escolhas, jovens maduros, que sabem do valor inestimável que têm e por isso zelam por si mesmos e pelos outros. Não é, de modo algum, impossível ser jovem, ser alegre e se divertir (e muito!) de maneira saudável; sem abrir espaço ao pecado e à contaminação pela via dos sentidos.
É preciso que tenhamos sempre a consciência de que somos Templo do Espírito Santo (cf. I Cor 6,19) e, portanto, precisamos vigiar rigorosamente a entrada da habitação do Senhor e glorificá-lo na nossa vida e no nosso corpo.
É urgente que estejamos atentos sempre e em todo lugar; que deixemos as obras das trevas e vistamos as armas da luz, assim nos fala S. Paulo na sua carta aos Romanos (cf. Rm 13, 11-14). Ele continua: “vivamos honestamente, como em pleno dia: não em orgias e bebedeiras, prostituição e libertinagem, brigas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não sigais os desejos dos instintos egoístas”. Como vemos, a sociedade daquele tempo tinha feridas parecidas com as nossas, não é verdade?
Então, em vez de ocuparmos nossos sentidos e faculdades com divertimentos que não fazem outra coisa senão nos empurrar para o pecado; nos “ocupemos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso, ou que de algum modo mereça louvor”. (cf. Fl 4,8) Assim seremos capazes de uma alegria perene, que não está condicionada ao uso de entorpecentes ou qualquer coisa semelhante, e principalmente, seremos capazes de divertimentos verdadeiros, que não contrariem nossa natureza.
Como jovens cristãos precisamos, sim, nos divertir. Mais ainda, precisamos ser alegres; mas acima de tudo, temos em nosso coração uma necessidade profunda de nos preservar daquilo que nos corrompe e afasta do Amor, sentido último da nossa existência.
Zelar pela nossa pureza, pela correção do nosso modo de agir, de vestir e de nos comportar; lutar pela pureza do nosso olhar, pela castidade no nosso modo de dançar; nos nossos relacionamentos cotidianos; selecionar as músicas que ouvimos; os lugares que frequentamos; os filmes e programas que assistimos, nos recusando a prestigiar espetáculos degradantes… Tudo isso reflete a profunda gratidão do nosso coração ao Deus que nos ama e nos fez de modo tão maravilhoso!
 Comunidade Católica Shalom

quarta-feira, 2 de março de 2016

A descida a mansão dos mortos, o silêncio de Maria e a evangelização



Durante Retiro de Semana Santa, em Fortaleza, a missionária da Comunidade de Vida Helga Lima, refletiu sobre a descida a mansão dos mortos, englobando três aspectos do Sábado Santo: a descida propriamente dita, o silêncio de Maria e a evangelização. Apresentamos o texto completo da pregação, mantido o tom coloquial.
Boa tarde! Esse dia de hoje, o Sábado Santo, ao meditar sobre ele, ia percebendo que é um dia comparável com um grande baú cheio de tesouros, e tesouros inesgotáveis. Se abrirmos esse baú e começar a tirar os tesouros que esse dia tem para nos dar, não ia terminar. Fica difícil preparar uma meditação sobre um dia tão rico, onde poderíamos falar de inúmeras coisas, mas vamos seguir aquilo que o Espírito Santo nos chama para o tempo de hoje, para este momento de hoje, para nos preparar melhor para a alegria da Ressurreição.
Queria descer com vocês em três aspectos. Rezando, pedindo a Deus que nos mostrasse o que falar hoje, o Senhor colocou no meu coração três pontos que poderíamos refletir nesta tarde.
O primeiro ponto é falarmos sobre a descida do Senhor à Mansão dos Mortos propriamente dita, o fato de Jesus visitar, descer e estar lá na Mansão dos Mortos. Antes de falarmos, pegaremos o Salmo 88, salmo este que rezamos na Liturgia das Horas, nas Completas, na sexta-feira. Existem inúmeras passagens na bíblia que falam do Xeol, da Mansão dos Mortos, mas escolhi esse Salmo porque acho que ele representa bem aquilo que gostaria de aprofundar como meditação.

“Iahweh, meu Deus salvador, de noite eu grito a ti: que minha prece chegue à tua presença, inclina teu ouvido ao meu clamor. Pois minha alma está cheia de males e minha vida está à beira do Xeol; sou visto como os que baixam à cova, tornei-me um homem sem forças: despedido entre os mortos, como as vítimas que jazem no sepulcro, das quais já não te lembras, porque foram separadas de tua mão. Puseste-me no fundo da cova, em meio a trevas nos abismos; tua cólera pesa sobre mim, tu derramas tuas vagas todas. Afastaste de mim meus conhecidos, tornaste-me repugnante a eles: estou fechado e não posso sair, com a miséria meu olho desgastou-se. Iahweh, eu te invoco todo o dia, estendendo as mãos para ti: “Realizas maravilhas pelos mortos? As sombras se levantam para te louvar? Falam do teu amor nas sepulturas, da tua fidelidade no lugar da perdição? Conhecem tuas maravilhas na treva, e tua justiça na terra do esquecimento?”.
Eu quis começar com este salmo porque ele retrata muito bem a imagem da Mansão dos Mortos. Se formos tirar elementos deste salmo: Deus tirou a mão, Deus tirou a benção, Deus derramou as suas ondas, é um lugar de maldição. O salmista dizendo: ele está desfigurado, afastado dos seus parentes, dos seus amigos. Ele está mal. Falando na nossa linguagem moderna o salmista está mal, no fundo do poço, está numa situação terrível.
Quem vai para a Mansão dos Mortos? O que é essa Mansão dos Mortos? É o nada, o vazio, é o lugar da maldição. É o lugar que foi aberto, que existiu depois do pecado. Não quero entrar aqui em nenhum mérito teológico da Mansão dos Mortos. Quem quiser aprofundar mais sobre o que a Teologia vai falando, depois faça a Escola de Teologia da Comunidade. Hoje vamos mergulhar no Espírito, naquela imagem da Mansão dos Mortos que ninguém queria ir, e claro que não! Ninguém queria ir para a Mansão dos Mortos. Na verdade, a oração do salmista, a oração do povo, daquele que temia a Deus, era “Senhor, livra-me do abismo, não deixe que o teu amigo conheça a corrupção”, porque a Mansão dos Mortos é lugar de maldição, é lugar de nada, de escuridão, de trevas, de dor, de ausência. Lá nunca mais vou poder ver a face de Deus, nunca mais vou poder me alegrar ou ver aqueles que amo. Nunca mais vou poder experimentar da alegria. A Mansão dos Mortos é o pior lugar para se ir. Se existia uma oração na boca daquele povo era ‘”Senhor me livra da Mansão dos Mortos”, mas depois do pecado era inevitável, todos iam para a Mansão dos Mortos, e todos iriam permanecer lá, não fosse por um acontecimento! Todos iriamos permanecer na Mansão dos Mortos se Ele não tivesse ido nos buscar.
Quero me deter com vocês nesse primeiro momento de meditação, e gostaria que vocês visualizassem bem. Imaginem um lugar ruim, e usando as imagens da bíblia, um lugar cheio de lama, de lodo, que cheira mal, de escuridão, de morte, de putrefação, onde não queriam se aproximar. Ninguém queria se aproximar ou estar lá. As palavras para denominar eram condenação, maldição, escuridão, abismo profundo, separação de Deus, infelicidade. Visualizaram este espaço? Tudo de ruim. Ninguém queria ir para lá. O que é que meditamos hoje? Essa descida de Jesus à Mansão dos Mortos.
Jesus foi exatamente ao lugar onde ninguém queria ir. Jesus foi para um lugar amaldiçoado. Jesus foi num lugar onde era o reino das trevas. Jesus foi pisar na escuridão, foi num lugar esquecido por todos, foi visitar aqueles que talvez ninguém nem mais se lembrasse. Jesus desceu e foi ao encontro daqueles que estavam no abismo.
Não bastasse Deus ter se encarnado, assumido a nossa condição humana, o que já foi demais, Ele, um Deus, não conseguimos visualizar isso, é demais para a nossa inteligência, e é um mistério que precisamos viver e contemplar. Não bastasse isso, assumir a nossa condição humana, Ele ainda quis sofrer, e foi o que meditamos e vivenciamos no dia de ontem, o Senhor que sofre, padece, foi humilhado, cuspido, traído, crucificado. Não bastasse todo esse sofrimento Ele quis morrer. Deus morreu. O Senhor conheceu a morte. O Deus que é vida conheceu a morte por amor. É um mistério muito grande.
Hoje é um dia em que não podemos deixar a tristeza entrar no nosso coração. Hoje é um dia de celebrarmos a esperança, de contemplarmos ainda mais esse amor incompreensível de Deus, porque Ele morreu, desceu até os infernos. Ele foi anunciar aos mortos, àqueles que estavam na Mansão dos Mortos, a Boa Nova, “eu vim para vocês também. Foi por vocês que eu me encarnei, que eu toquei essa terra. Foi por vocês que eu sofri e desci até aqui. Foi por vocês que eu experimentei a morte, para que vocês não fiquem mais nela”.
Ao contemplar esse mistério do Senhor que visita as profundezas da morte, que visita o lugar da maldição, o abismo criado pelo pecado, nós não podemos mais deixar a desconfiança e a desesperança tomarem conta do nosso coração, porque se um Deus que aceitou morrer para me salvar, se Ele aceitou tamanho sacrifício e humilhação, tamanha descida, quem sou eu para desconfiar do amor desse Deus? Quem sou eu para desanimar, para desesperar? Quem sou eu para proclamar a morte na minha vida, “eu não tenho mais jeito”? Ou então para proclamar a morte na vida do outro “larguei de mão dessa criatura, não presta mais para nada, deixa para lá, Deus tome de conta”, e ainda bem que Ele toma conta, não é? Quem somos nós para perdermos a esperança sobre nós mesmos e sobre os outros? Quem somos nós para perdermos a esperança na nossa vida? Não podemos deixar a desesperança, a tristeza, a morte entrar no nosso coração, porque o nosso Deus que é vida visitou a morte para nos dar novamente a vida!
O que podemos aprender com isso? Se tiver alguma morte dentro do nosso coração hoje, especialmente hoje, o Sábado Santo é o dia da libertação do nosso coração. O Sábado santo é um dia de cura e libertação por excelência, porque é o dia em que o Senhor vai à nossa morte. Ele desceu à Mansão dos Mortos e proclamou: “Nem a morte, nem a morte pode deter o meu amor! Nem a morte pode deter a vida!”. Quando Jesus desceu com a Sua cruz, que é a chave das portas da morte- é a imagem que a Igreja usa- que Ele entrou proclamando a vida, nós também devemos nos apossar dessa graça, e através da cruz de Cristo proclamar a libertação do nosso coração, da nossa vida. Se hoje trazemos mortes dentro de nós, na nossa vida, na nossa família, na nossa história, o que quer que seja, hoje é o dia por excelência de deixarmos que Cristo venha com a Sua cruz arrombar as portas da morte do nosso coração.
Se estivermos nos declarando mortos vocacionalmente, espiritualmente, “Ah Helga, já tenho 50 anos que não rezo. Desisti”, “ah, não estou mais conseguindo viver os compromissos da comunidade”, “só vou para a missa de domingo mesmo para não ser motivo de escândalo, mas se dependesse de mim, eu estou morto”, não está mais, em nome de Jesus! Hoje é o dia da libertação! É o dia de proclamar a vida sobre a sua vocação. “Ah Helga, é porque a minha família chegou num ponto que não dá mais, acabou, jaz, sepultei a situação, não dá mais. Esse marido aqui, essa esposa aqui, esse filho aqui, essa situação familiar aqui não dá mais, morreu”, não! Não morreu porque Deus morreu! Deus morreu para dar a vida a você e também para trazer vida a esta situação que você proclamou como morte.
Hoje é o dia da cura, da libertação. Hoje é o dia de expulsar as trevas do meio de nós e de dentro de nós. Aquelas trevas que talvez vamos carregando ano após ano, aquela morte que estamos arrastando dentro de nós. Jesus não tem medo da morte. Jesus acaba com o reinado da morte. Jesus não tem medo de se aproximar daquele mau cheiro da morte, do que é morto, do que está podre. Quando Jesus vai ver Lázaro e Marta diz: “Senhor, já cheira mal”, e Jesus não está nem aí, vai e diz: “Lázaro, vem para fora!”. Da mesma forma Jesus quando desce à Mansão dos Mortos, como o salmista vai dizendo “eu estou deformado”.
Quem sabe o estado daquelas almas, como elas estavam. Se vamos usar imagens físicas, o odor da morte, tantos mortos juntos de tantas eras. De fomos pensar na situação que estava aquela Mansão dos Mortos e Jesus que foi vitorioso. Não tem problema se é o reinado das trevas, a luz chegou! Não tem problemas se existe feridas profundas, a cura, a vitória da cruz chegou! Não existe situação na nossa vida que não tenha jeito, que não tenha remédio, só se não quisermos, porque Jesus foi resgatar aqueles que estavam esperando por Ele. Sabemos que os bons e os maus iam para o mesmo lugar, e Jesus foi para salvar, para trazer de volta à vida aqueles que morreram esperando a Sua vinda.
Se muitas vezes a vinda de Jesus ainda não tocou os nossos corações, ou é porque não acreditamos mesmo ou é porque ainda não queremos. Será que realmente nós acreditamos no poder da cruz de Cristo ou saímos correndo Dela? Será que realmente acreditamos nesse mistério? Mas muito mais do que acreditar, o que foi que fez Nossa Senhora? Existem três personagens que a tradição nos conta que ficaram de pé aos pés da cruz: Maria, Maria Madalena e João, o discípulo amado. Porque será que eles conseguiram ficar de pé aos pés da cruz? O que eles tinham de diferente dos outros?

 Quem era Maria Madalena? Uma pecadora, prostituta, e o que foi que mudou a vida dela? Foi uma experiência com Jesus Cristo, uma experiência de amor. O que mudou a vida dela foi àquela experiência profunda com o amor de Deus. Cristo que olhou para ela e a fez sentir-se profundamente amada, e quando ela descobriu aquele amor não quis mais nada na vida dela, só queria aquele amor.
Nossa Senhora foi a que mais teve experiências de amor com deus na vida dela, desde o momento que carregou Jesus no ventre, e teve todas as particularidades, quem é mãe sabe: o carinho, o afeto com o filho, todo o relacionamento de amor. O olhar que Jesus tinha por ela era um olhar de profundo amor. Nossa Senhora se sentia profundamente amada.
João se denomina o discípulo amado. Porque será que ele se denomina assim? Quem foi que disse para ele que ele era o discípulo amado? Certamente porque ele também teve uma experiência profunda com esse amor e se sentia profundamente amado.
Porque eu abri esse parêntese? Quando nos sentimos amados de fato, de verdade, quando nos sentimos amados pro Deus, quando temos uma experiência verdadeira com o amor de Deus, o sofrimento não nos assusta, a morte não nos assusta. Por isso eles três permaneceram de pé, não saíram correndo, porque sabiam de alguma forma, não entendiam, não sabiam racionalmente, mas de alguma forma, porque acreditavam no amor, porque se sentiam amados, sabiam que a cruz era a melhor forma de encontrar a vitória. Sabiam que a morte de Cristo não seria em vão.
Se muitas vezes a cruz de Cristo não toca os nossos corações, não toca as nossas mortes, não nos ressuscita, não é por outro motivo. É porque talvez ainda não tenhamos tido essa experiência de amor verdadeira, que ao invés de nos afastar da cruz nos aproxima dela e tira do nosso coração o medo da morte. Tira o medo de morrer para nós mesmos, de morrer para o pecado, de morrer para a vida velha. O medo de descer com Cristo na Mansão dos Mortos e deixar que Ele liberte tudo de uma vez, de deixar que Ele nos cure utilizando o meio que Ele quiser, seja a cruz, seja uma experiência de amor, porque nós confiamos nesse amor que nos ama. A experiência com o amor de Deus é fundamental para que vivamos esse mistério da Semana Santa, se não tudo será vazio, será um dia após o outro, pregações, orações e o meu coração não estará sedento como estava o daquele povo que morreu na fé e estava lá na Mansão dos Mortos esperando! Esperando esse dia da libertação! Imagino que a surpresa para eles foi grande, porque acho que eles não estavam esperando que o próprio Deus fosse lá buscá-los. É demais, o próprio Deus descer ao encontro daqueles que já estavam mortos para resgatá-los, traze-los novamente à vida.
O Senhor vem poderosamente com a Sua cruz, vitorioso. Enquanto aqui na terra todos estavam chorando, sofrendo pela morte do senhor, lá na Mansão dos Mortos o negócio já estava iluminado, pegando fogo, porque o Senhor já estava proclamando a vitória, já estava abrindo as portas, destruindo o reinado da morte, o reinado das trevas, trazendo de volta à vida.
É muito belo esse ícone quando percebemos que na verdade Eva está ali estendendo a mão para o Senhor, mas acho que ela está meio envergonhada, encabulada. Se olharmos bem para o ícone na verdade é o Senhor que agarra o pulso dela, “vamos Eva! Acabou! Já foi o tempo da morte, já foi o tempo das trevas!”, onde Ele foi resgatar os nossos primeiros pais, aqueles por quem a more entrou no mundo. Mas também aqueles pelos quais Deus elaborou todo esse plano de salvação tão belo, e por causa deles a Mansão dos Mortos estava recebendo essa visita gloriosa.


Só Deus tira do mal o bem. Não é grandioso! Do pecado Deus tirou um grande bem que foi a nossa salvação. Da morte Deus trouxe a vida e fez muito mais, porque o homem não voltou à condição original, Deus fez ainda mais, elevou a humanidade até o céu. O homem não só vê Deus face a face, mas Deus assumiu a nossa condição humana. É muito grande o mistério, só através do amor poderemos compreender, poderemos deixar a alegria desse amor tão grande entrar no nosso coração.
Hoje é o dia da esperança, porque é um dia onde percebemos que deus não tem prazer em nos deixar na morte. Deus não se alegra com a nossa tristeza, não se alegra em ver os seus filhos sofrendo, aprisionados, cegos. Deus veio nos salvar, mesmo que para isso Ele precisasse conhecer a morte. Não temos noção do que é Deus morrer. Fico falando aqui, mas eu mesma me impressiono. Nós não temos noção do que é Deus que soprou a vida sobre o homem experimentar da morte! Nós não temos noção da grandeza desse amor. Hoje é o dia da esperança, o dia da libertação nas nossas vidas. Hoje é o dia de, de fato, abrirmos as portas e deixarmos o Senhor vitorioso entrar no nosso coração, na podridão da nossa morte, deixar o Senhor tocar a nossa desesperança, as nossas cegueiras. Deixar o Senhor tocar as nossas feridas e nos trazer novamente à vida.
No segundo ponto, gostaria de mergulhar no silêncio de Maria. Para começar quero ler um trecho do Beato João Paulo II[1]: “Depois da deposição de Jesus no sepulcro, Maria «é a única que permanece a ter viva a chama da fé, preparando- se para acolher o anúncio jubiloso e surpreendente da ressurreição». A espera vivida no Sábado Santo constitui um dos momentos mais altos da fé da Mãe do Senhor: na obscuridade que envolve o universo, Ela entrega-se plenamente ao Deus da vida e, recordando as palavras do Filho, espera a realização plena das promessas divinas”. Maria é um personagem muito importante no Sábado Santo, no dia de hoje. Não podemos viver o Sábado Santo se não estivermos unidos à Nossa Senhora, porque foi Ela que viveu na forma mais plena, porque o filho das Suas entranhas experimentou da morte.
Imaginemos então uma mãe que já vinha a algum tempo caminhando no sofrimento, vendo toda a perseguição ao seu filho, vendo as pessoas comentarem, falarem mal, tramarem a morte dele. Nossa Senhora já carregava todo um peso no coração Dela e que foi culminando com a Paixão de Cristo. O momento da Sua traição, da Sua prisão, o momento em que Jesus vai carregando a Sua cruz até o Calvário, a Crucifixão de Jesus e a morte do Senhor.
Depois de todo aquele evento, de todo esse período de sofrimento de Nossa Senhora, Maria nos ensina a viver de uma forma cristã, de uma forma santa as adversidades e os sofrimentos da nossa vida. A experimentar da dor de perder o seu filho de uma forma tão cruel, Maria nos ensina que o que passamos aqui não é assim tão terrível, tão grande, quando passamos unidos ao Seu filho. Não menosprezando o sofrimento humano, porque passamos muitas adversidades na nossa vida. A nossa vida muitas vezes é recheada de passagens difíceis, de momentos difíceis, de perdas, de situações contraditórias, de perseguições, de lutas, de enfermidades. O ser humano é fraco, é pequeno, mas nada disso deve ser capaz de roubar de nós a esperança e a fé. Mais uma vez retomo a imagem da cruz, daqueles que ficaram de pé. Podemos também ficar de pé diante da cruz, é só nos apoiarmos um pouquinho em Nossa Senhora.
Fico imaginando depois eu recolheram o corpo de Jesus, O embalsamaram e colocaram no sepulcro, e que eles retornaram para casa. Sempre que perdemos alguém que amamos esse retorno para casa é muito difícil, porque tudo lembra a pessoa, fica aquele vazio, lembramo-nos das atitudes da pessoa, as coisas que ela gostava de fazer, as roupas da pessoa. Naquele momento difícil, a única forma que consigo ver Nossa Senhora são os discípulos ali desconsolados, lembrando-se do Mestre, sofrendo, e Ela saindo da Sua própria dor para consolar os seus filhos, porque no mistério da cruz o Senhor confiou a Ela a Igreja, como filhos. Jesus disse: “Mulher, eis aí o teu filho”, e Nossa Senhora abraça a Sua missão. Não consigo perceber Nossa Senhora que se isola no canto e fica chorando, querendo atenção, sofrendo, não! Vejo outro movimento. Aquela que percebe que por trás de tudo isso, com o olhar da fé, existe um mistério, e ajuda àqueles que seguiram o Senhor a permanecerem de pé. Ela, que precisava de mais consolo, consolava os outros.
Fico imaginando quando passamos por alguma situação difícil, quando alguém nos atinge, trabalhamos logo com as palavras, “ah, porque essa criatura é isso”, e quer logo falar com os outros, se queixar. Gostamos muito de nos queixar, “porque isso, porque aquilo, porque ele me machucou, fez isso com Fulano, como é que pode, é um absurdo!”. Talvez os apóstolos tivessem caído na mesma situação, de falar de Judas, dos Fariseus, falar daqueles que crucificaram o Senhor, mas o silêncio de Maria trazia os apóstolos novamente para a vivência do mistério.
Temos muito que aprender com o silêncio de Nossa Senhora na nossa vida. Quantas situações deixariam de acontecer se tivéssemos silenciado. Em quantos momentos teríamos crescido se tivéssemos silenciado. Quantas vezes as adversidades da nossa vida nos levam a murmurar, a questionar, falar, reclamar, a não aceitar, e se tivéssemos escolhido o caminho do silêncio, da fé, da esperança, o caminho do silêncio de Maria. Não é um silêncio passivo, que fica em silêncio só esperando acontecer alguma coisa, mas é um silêncio ativo, que levava à oração, que levava a caminhar em direção ao mistério, que levava à conversão.
Somos seres humanos, não entendemos as coisas no primeiro acontecimento não. Às vezes acontece uma coisa conosco e ficamos atordoados, querendo entender o que está acontecendo. Somos humanos, não entendemos assim não. Precisa de um tempo, do silêncio, precisa da oração, da reflexão, e foi o que Nossa Senhora fez e ajudou também a aqueles que seguiam a Jesus fazerem, se recolherem, a viverem o mistério, a não quererem entender com a cabeça, mas a viver com o coração, com a atitude da espera.
Nossa Senhora vem ensinar no mundo de hoje tão barulhento, tão cheio de barulhos, cheio de ideologias, tão cheio de pensamentos, de coisas que nos dispersam do mistério de Deus, do amor de Deus. Nossa Senhora vem nos ensinar esse silêncio de escuta, de entrega, de fé, de paciência. Esse silêncio que coloca o nosso coração em contato direto com o coração do Senhor.
Mais uma vez eu digo: no mundo de hoje temos muitos barulhos que nos dispersam. A era tecnológica é muito barulhenta. Às vezes estamos aqui participando de uma pregação, de uma oração, mas não conseguimos mais participar com o coração, pois já estamos gravando nas nossas mídias, enviando pelas redes sociais, tirando foto e enviando. A era tecnológica é muito barulhenta, e isso vai nos dispersando de estarmos na presença do Senhor e com o nosso coração ouvir as palavras que vão sendo colocadas e deixar que aquilo se atualize no meu coração.
Esse silêncio de Maria que nos ensina a paciência com o tempo e com a obra de Deus na nossa vida. Ninguém sabia o que ia acontecer.  Ninguém sabia que Jesus ia ressuscitar daquele jeito, no terceiro dia, por mais que Jesus tivesse falado, mas entender mesmo não. Era necessário silenciar e esperar com fé, sem desanimar. Será que nós estamos desanimados? A vida espiritual não é fácil, e às vezes passamos por fases da nossa vida espiritual que não queremos mais esperar que ela passe. A era tecnológica é também a era imediatista, Deus tem de dar um jeito logo, e existem frases muito comuns no meio de nós: “Senhor, dá um jeito! Eu sou teu, me consagrei, dá um jeito, faz logo aí, não quero nem saber”. Precisamos aprender com o silêncio de Maria, que esperou o tempo de Deus, da forma como Ele quis, na hora em que Ele quis realizar.
Nossa Senhora tem muito a nos ensinar nesse dia de hoje, porque aquele momento da morte de Jesus até a Sua Ressurreição, parecia um momento infinito. Ninguém sabia que horas que aquilo ali iria terminar, porque na verdade para eles talvez não fosse terminar, e mesmo assim continuar esperando, contra toda a esperança.
Maria tem muito a nos ensinar com o seu silêncio, com a Sua oração, com a Sua paciência. Nós que somos tão impacientes, que não aceitamos passar pelo mínimo. Maria tem muito a nos ensinar… Muito a nos ensinar. Vem Maria, vem nos ensinar o Teu silêncio. Vem nos ensinar a Tua paciência, a Tua esperança. Vem nos dar esse Teu olhar de fé. Vem nos dar esse coração cheio de esperança e de fé.


Maria é a única que permanece a ter viva a chama da fé, preparando-se para acolher o anúncio jubiloso e surpreendente da Ressurreição. Às vezes nos impacientamos tanto que a ressurreição acontece e nem percebemos. Estamos tão agoniados, querendo que o sofrimento passe, que a ressurreição vem, Jesus vem e não percebemos, pois ainda estamos perdidos na nossa agonia. E Nossa Senhora nos ensina esse coração cheio de fé, esse silêncio cheio de esperança. O que você acha que o silêncio de Maria vem nos ensinar no dia de hoje?
Falando ainda desse silêncio cheio da esperança, quero ler um trecho da Evangelii Gaudium, a Exortação apostólica do Papa Francisco, que é fantástica, que deveria ser um dos nossos livros de cabeceira, porque é uma escola de como um cristão autêntico deve viver no mundo de hoje.
6. Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados”. Aqui é o que disse para vocês, a certeza de que somos infinitamente amados por Deus é o que nos sustenta nas adversidades da nossa vida.
“Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias”. Foi o que Nossa Senhora viveu. Nossa Senhora viveu a pior das angústias, que foi perder um filho, e daquela forma. E aí ele coloca uma citação de Lamentações: “A paz foi desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém, guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é grande a tua fidelidade. (…) Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Lm 3, 17.21-23.26)”. Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor!
Como esse silêncio da Virgem Maria tem a nos ensinar! E muitas vezes deixamos de colher essa salvação porque não vivemos esse silêncio da esperança, esse silêncio da fé, da confiança, mesmo nas dores, mesmo na angustia, mesmo nas realidades da vida muitas vezes duras. O nosso coração, porque sabe que é amado, deixa a fé, a esperança e a confiança tomarem posse e nos levarem adiante, confiando na salvação do Senhor que virá.
O terceiro e ultimo aspecto é o da evangelização. Evangelização no Sábado Santo? O que tem a ver? Tem tudo a ver! Na primeira meditação que fizemos, fomos vendo que o Senhor visitou a Mansão dos Mortos, visitou a morte, e que ele faz o mesmo na nossa vida. Não existe morte dentro de nós que a vida de Cristo não possa ressuscitar, que a cruz de Cristo não possa transformar em vida. Não existe!
Se olharmos para o mundo em que vivemos, se olharmos para a quantidade de ideologias, de escândalos que vão surgindo no mundo em que vivemos, no mundo moderno, estamos diante de uma grande Mansão dos Mortos. O culto à morte é fortíssimo nos tempos de hoje. A defesa da morte em detrimento da vida, os valores que levam à morte, tudo o que proporciona a morte é cultuado no tempo de hoje. Estamos quase inseridos numa verdadeira Mansão dos Mortos.
Se formos olhar, as trevas estão tentando novamente nos cegar e dizer, proclamar que elas têm poder, como antes da vinda de Cristo, antes da Ressurreição do Senhor, que era o domínio das trevas, mas as trevas não dominam mais! A morte não domina morte, não é mais o reino da morte na nossa vida, é o Reino de Cristo! Mas o mundo está sendo enganado! Estão dizendo novamente que a morte reina, e nós estamos sendo levados a acreditar nisso também, porque só recebemos notícias de morte. As manchetes hoje é o quê? Morte. Se acontecer um acidente a manchete é: acidente de ônibus, 30 mortos. Ninguém fala de quantos escaparam, a noticia é a morte. Furação em tal lugar: 200 morreram, mas ninguém fala da outra parte que viveu. Vamos sempre recebendo noticias da morte. Ligamos a televisão no jornal, são assassinatos, mortes por acertos de conta. E as notícias de vida? Vamos sendo impregnados e acreditando que a morte está dominando, e acreditando que a morte tem poder, e nós mesmos vamos aderindo a essa mentalidade. “Não, é isso mesmo, o mundo está perdido, está tudo acabado”, e aí vamos ficando presos dentro de nós mesmos, dentro das nossas casas, “Nano quero mais sair de casa, não vou mais para tal lugar, não vou mais para a missa porque é perigoso, não vou para o grupo de oração, porque é perigoso”. Vamos sendo levados a acreditar que a morte tem poder, que a morte é vitoriosa. Não! Não é! É tudo mais uma vez um jogo de mentiras do inimigo, que tenta nos arrastar novamente para a Mansão dos Mortos, para as trevas.
Meus irmãos hoje é um grande dia de refletirmos, mas não só refletirmos, mas tomarmos uma atitude em relação à evangelização dos homens e mulheres deste mundo. Nós, consagrados, somos outro Cristo sobre a terra, e da mesma forma que Jesus entrou na Mansão dos Mortos, quebrou as portas da morte com a sua cruz, nós também somos chamados a adentrar essa Mansão dos Mortos e proclamarmos a vitória e a vida de Cristo para aqueles que estão cultuando a morte.
Meus irmãos nunca, em tempo algum, a morte será mais poderosa do que a vida! Em tempo algum as trevas serão mais fortes do que a luz! Em tempo algum, então, de nada devemos ter medo, de proclamar a luz sobre as trevas! “Ah, mas o povo não vai me ouvir. Vou ser preso, não posso falar sobre isso. Ah, mas ele quer seguir o caminho dele, ele é livre”, quem disse? Ele não é livre não, ele está sendo escravo! E somos nós que fomos visitados pelo Cristo Ressuscitado, nós que um dia também estávamos na Mansão dos Mortos e fomos visitados pela vida, somos nós que vamos agora proclamar essa vida lá fora! Se nós também ficarmos quietos, com medo, acuados, no silêncio, que não é o silêncio de Maria, morrendo de medo das trevas, meus irmãos, nós estamos proclamando que Jesus não ressuscitou e que a cruz de Cristo não tem poder nenhum.
Hoje é um grande dia de nos lembramos de que a morte mais uma vez está querendo adentrar no coração da humanidade e dominar, e cabe a nós, cristãos, cabe a mim, cabe a você, a nós que estamos aqui levarmos vida a este mundo que está cultuando a morte. Se realmente somos tocados pela vida de Cristo, nós não conseguimos ficar parados diante da morte, não conseguimos concordar com o culto da morte, com o culto à morte. Se realmente experimentamos a alegria de Cristo, nós não conseguimos ficar com essa alegria conosco.
Quero ler mais um trecho da Evangelii Gaudium. Olha que beleza o que o Papa Francisco vai colocando: “Na doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento”. Ou seja, o comodismo e o isolamento geram morte, e a doação gera a vida. “De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais. Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: «Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros”. Quem nós vimos fazendo isso por nós? Jesus. E agora nós somos chamados a dar a nossa vida aos outros.


“Isto é definitivamente, a missão. Consequentemente, um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas!”. Que foi o que Nossa Senhora fez. Mesmo com lágrimas Nossa Senhora semeou a esperança no meio daqueles que seguiam Jesus. E se eles estavam lá para ver o Cristo Ressuscitado é porque mesmo com as suas lágrimas Nossa Senhora semeou a esperança e a fé.
“E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo”. Hoje é o dia de pedir ao senhor que retire de nós a cara de funeral, porque até os mortos, como diz na Carta de São Pedro, “era preciso anunciar primeiramente a eles, aos mortos, a Boa Nova de Jesus Cristo”. Até os mortos transformaram as caras deles, de mortos para vivos. Então se nós que estamos vivos e que dizemos que tivemos uma experiência com o Senhor e que O deixamos entrar na nossa Mansão dos Mortos, nós não podemos ter essa cara de tristeza, não podemos ter um coração desesperançado, triste, amargurado, preso às nossas dores, às nossas próprias angustias. Vamos semear a Boa Nova do Senhor mesmo que entre lágrimas, mesmo que arrancando os pedaços, mesmo se o nosso coração estiver desfalecido pelas durezas da nossa vida, pelas adversidades da vida espiritual que não é fácil, mas vamos semear esta alegria do cristo nesse mundo que está morrendo, está cultuando a morte, está sendo enganado pelas mentiras. Não vamos nos deixar levar pelas tristezas do mundo! Vamos levar para o mundo a alegria do Cristo!
Cristo foi na Mansão dos Mortos. Ele nos tirou da nossa Mansão dos Mortos! Nós não podemos mais querer ficar na comodidade da Mansão dos Mortos quietinhos, paradinhos, não! Jesus já nos tirou de lá, já nos deu a vida, então vamos comunicar esta vida num mundo que está sendo absorvido pela morte. É o que o Senhor nos chama, é o que a nossa Igreja nos manda e nos envia, através do nosso Papa. Se formos olhar, desde o inicio do seu pontificado é o que ele tem feito. É com sua alegria, sua simplicidade, de um homem que teve uma experiência verdadeira e profunda com o amor de Deus, que ele vai conquistando as pessoas e vai arrebanhando as ovelhas dispersas do rebanho de Cristo.
Meus irmãos como eu disse no inicio esse Sábado Santo é um grande baú cheio de tesouros, e se descobrirmos esse tesouros não podemos ficar com eles, mas devemos levar para os mais pobres, como o Papa nos chama a olhar para os mais pobres, e os pobres que ele está falando não são só os pobres materiais, mas os pobres que a nossa Igreja nos envia também são os pobres de espírito, são os pobres da verdade, os pobres que estão sendo enganados pelas diversas ideologias, pelas culturas que nos roubam de Deus, que tiram de nós a felicidade, que roubam a paz. Estes são os pobres que o Senhor nos envia, o pobre que está do nosso lado, na nossa casa, na nossa família, o nosso vizinho, no nosso trabalho, na escola, aonde quer que esteja, é a isso que o Senhor nos chama, a esta dimensão da evangelização. Não fujamos da Ressurreição de Jesus. Nunca nos demos por mortos. Suceda o que suceder, que nada possa mais do que a Sua vida que nos impele adiante.
Muito mais do que palavras, vamos silenciando, deixando que o Espírito nos introduza nesse grande mistério da morte que gera a vida, e deixar que o Senhor visite ainda as mortes do nosso coração. Vou ler uma homilia do século IV, feita para este dia do Sábado Santo. Deixemos que estas palavras toquem no nosso coração:

Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.
Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.
O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’. Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.
Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.
Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso.
Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus.
Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade.

Oração:

Ergamos nossas mãos numa atitude de fé, onde nós deixamos Ele nos retirar da Mansão dos Mortos. Diante desse grande mistério de amor, nós só podemos agradecer e louvar o nosso Deus. Vamos louvar o Senhor, porque Ele não nos deixou na morte, porque Ele conheceu a morte para nos salvar, para nos retirar dela, nos dar novamente a vida, para nos dar o Reino dos Céus, preparado para nós. Para nos resgatar, o Senhor que não poupou a Sua vida. O Senhor que conheceu a morte para que nós reencontrássemos a vida. Nós só podemos te louvar Senhor, nós só podemos entregar as nossas vidas em gratidão. Nós só podemos te agradecer e reconhecer o Teu amor e nos deixar amar. Obrigada Senhor. Muito obrigada Senhor por este mistério de amor, que não compreendemos, mas que vivemos com toda a nossa vida, com todo o nosso coração.
Oh Mãe da Esperança, nós consagramos a Ti os nossos corações, mas não consagramos somente a nós, consagramos a Ti toda a humanidade, os homens e mulheres do mundo, mergulhados nas trevas, que ainda não experimentaram desta luz. Maria nós nos consagramos a Ti, e pedimos que Tu nos ensines este caminho de semear a esperança, de semear a paz, mesmo que em lágrimas, mesmo no sofrimento, mas com o coração cheio de confiança, cheio de esperança, na certeza da vitória do Cristo, na vitória da vida, na vitória da luz sobre as trevas. Cuida de nós Maria, cuida dos Teus filhos, leva-nos para o Teu Filho.


[1]  Maria e a Ressurreição de Cristo, João Paulo II, Audiência em 21 de Maio de 1997.

 Helga Lima/ Decupagem: Irlanda Aguiar