Pecado
mortal e pecado venial
MUITOS LEITORES nos pedem
orientações com relação aos significados dos termos pecado mortal e pecado
venial, via de regra solicitando listas dos referidos pecados, – uma
relação que especifique quais são os mortais e quais os veniais, elencando um
por um. Alguns dão a nítida impressão de querer saber se determinados pecados
são veniais simplesmente para que possam continuar a praticá-los, sem medo de
perder a alma no inferno...
Entendemos
que muito mais importante e bem mais útil do que listar e classificar os atos
pecaminosos, um por um (até porque esta seria uma tarefa mais que complexa e
incerta) é esclarecer o que define os pecados como
mortais ou veniais. Nesta matéria, o realmente fundamental é saber discerni-los
com clareza, já que àqueles que sabem discerni-los a partir daquilo que os
define, fica de uma vez por todas esclarecida a questão.
Segundo o
Catecismo da Igreja Católica (CIC), o pecado é, entre outras coisas,
uma falta contra a razão, contra a verdade e contra a consciência reta; é uma
falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um
apego perverso a algum bem, colocado antes ou à frente do próprio Deus, que é
nosso Sumo Bem. O pecado fere a natureza do homem e ofende a solidariedade
humana, seja por pensamento, palavra, ato, omissão ou desejo contrário à Lei
divina (cf. CIC §1849).
Essa
descrição do pecado talvez pareça dura para alguns, especialmente os mais
jovens. Será que até pensar pode ser pecado? E como é que somente desejar
alguma coisa é pecado? Quem é capaz de dominar completamente os desejos ocultos
de seu próprio coração? São perguntas válidas. Para respondê-las, antes de
tudo, é preciso entender que o pecado, para ser vencido, precisa ser
identificado e combatido já na sua raiz. Nosso Senhor Jesus Cristo diz:
"Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não cometerás adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, pois te é preferível que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno." (Mt 5, 27-29)
"Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não cometerás adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, pois te é preferível que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno." (Mt 5, 27-29)
A Lei
mandava não adulterar. Este seria um pecado mortal. Mas vem Jesus, que consumou
a Lei, e diz que apenas olhar com cobiça uma mulher já é pecado. Ora, cremos
plenamente que Jesus veio para nos libertar, para nos livrar de um jugo pesado,
para substituir a dureza da Lei pela suavidade da Graça e nos levar a trocar o
caminho do medo pelo Caminho do Amor. Ele próprio assim declarou, em diversas
passagens, e toda a Tradição cristã, juntamente com a Sagrada Escritura,
continuamente o confirma; mas em certos momentos parece ficar a impressão de
que as coisas ficaram mais difíceis, já que a exigência aumentou. Será mesmo?
Ocorre
que, a partir de Jesus Cristo, ser fiel a Deus e ganhar a Graça Divina deixou
de depender de se observar uma coleção de preceitos, como muitos legalistas
erradamente entendiam nos tempos do Antigo Testamento. Não se trata de carregar
uma lista do que "pode" e do que "não pode" debaixo do
braço. A partir da vinda e do Sacrifício do Filho de Deus, não basta mais a
observância externa, ritualista, superficial. Nos novos tempos, da Nova e
Eterna Aliança, é necessário aderir ao Evangelho de todo o coração e alma, – o
que requer conversão total de vida.
Conversão é uma mudança radical
de direção. Metaforicamente falando, é uma virada de 180 graus. Se vínhamos
avançando em determinado sentido, agora é preciso dar meia volta e caminhar no
sentido oposto. Uma tal adesão, de todo coração, de todo entendimento e de toda
a alma, não pode ser superficial. É preciso amar de fato a
Deus sobre todas as coisas, e, assim, o próximo como a si mesmo. E quem ama a
Deus mais do que tudo não tem como amar o pecado, que ofende a Deus e nos
afasta dEle. – Por isso é que não só o adultério é pecado, mas também o querer adulterar,
o pensar, imaginar, sonhar com isso. Quem está verdadeiramente bem decidido e
mantém os pés firmes no Caminho (Cristo) não se distrai olhando para trás,
menos ainda alimenta desejos secretos de caminhar na direção contrária.
Ser
verdadeiramente cristão, portanto, é algo completamente diferente de ser adepto
de qualquer religião legalista e/ou superficial, que simplesmente observa frios
rituais vazios e vive de falsas aparências. Ser cristão de fato é, em
uma palavra, ser honesto. É ser autêntico. Ou se é cristão de verdade ou se
é uma caricatura de cristão (algo que, aliás, infelizmente, é o tipo mais
comum).
Falando
então do modo mais resumido possível, o pecado é uma ação contrária ao Amor de
Deus, – por uma escolha, uma decisão livre do indivíduo. – Assim como o ser
humano é livre para amar, obedecer e praticar o bem, também é livre para odiar
e desobedecer, e desobedecer até até às últimas consequências. Até a morte
eterna. É isso que o mesmo Catecismo chama de liberdade ou "possibilidade
radical" do ser humano. A liberdade de escolha que Deus dá ao homem é
ilimitada. Cabe-nos o poder da escolha, para o bem ou para o mal.
"Os
Céus e a Terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a
vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu
e a tua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua Voz e
unindo-te a Ele; pois Ele é a tua vida." (Dt 30,19-20)
É sabido
também que existe uma grande variedade de pecados e, apesar de todos afastarem
de Deus, estão separados em diferentes graus. A Sagrada Escritura traz várias
listas e descrições. São Paulo Apóstolo, por exemplo, na Carta aos
Gálatas fala das "obras da carne manifestas, as quais são: a prostituição,
a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas,
os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as
bebedeiras, as orgias e coisas semelhantes a estas" (5,19-21).
É deste
modo que os pecados cometidos pelos homens, conforme a sua gravidade, são
divididos em mortais ou veniais. Por pecado venial entende-se
aquele ato que não separa o homem totalmente de Deus, mas que fere a Comunhão
com o Criador. Já o pecado mortal, por sua vez, atenta mais
gravemente contra o Amor de Deus, desviando o ser humano de sua finalidade
última e da Bem-aventurança, excluindo-o do estado de graça.
Ensina o
Catecismo: "É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é
cometido com plena consciência e de propósito deliberado. (...) A gravidade
dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que um roubo. (...)
Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total
consentimento. Pressupõe o conhecimento do caráter pecaminoso do ato, da sua
oposição à Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente
deliberado para ser uma opção pessoal.
A
ignorância simulada e o endurecimento do coração (97) não diminuem, antes
aumentam, o caráter voluntário do pecado. (...) O pecado cometido por malícia,
por escolha deliberada do mal, é o mais grave. O pecado mortal é uma
possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como
consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja,
do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de
Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma
vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas,
irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si,
uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à
misericórdia de Deus." (CIC §1857 - §1861)
O pecado
mortal, portanto, só acontece quando o indivíduo comete um delito contra Deus
consciente dos requisitos descritos acima, e não somente pela matéria grave,
isto é, a gravidade do ato em si. Uma pessoa sem formação moral e intelectual
adequada, e sem condições de adquiri-la, que pratica uma ação pecaminosa, pode
ser isenta de culpa por se enquadrar no caso da chamada ignorância
invencível.
Por outro
lado, existe também a ignorância afetada, quando a pessoa tinha
condições de conhecer a verdade, mas por interesse próprio, simplesmente para
poder pecar, preferiu não conhecê-la. Neste caso, o indivíduo peca ainda mais
gravemente.
Na
prática, quais os efeitos do pecado mortal sobre a pessoa que o comete? Como
visto, a exclusão do Reino de Deus e a morte eterna no inferno, já que a nossa
liberdade é radical: temos até mesmo o poder de fazer opções para sempre, sem
regresso. – Após esta vida entraremos na eternidade, libertos do fator tempo;
no estado em que deixarmos este mundo, permaneceremos, em estado de graça ou
não, – unidos a Deus ou aos seus inimigos, numa realidade em que não há ontem
nem haverá amanhã. Estaremos plena e perenemente com Deus ou separados dEle,
sem tempo, sem mudança, sem variações.
E quanto aos pecados veniais? Seriam estes inofensivos, desprezíveis? Muitos entendem que apenas os pecados mortais devem ser prevenidos, evitados e confessados, imaginando que os pecados veniais não seriam importantes e/ou seriam perdoados "automaticamente". Esta linha de pensamento não corresponde à realidade, pois um pecado mortal muitas vezes é gerado por uma quantidade de pecados veniais cometidos antes. O pecado venial, embora pareça sem importância, é um passo que conduz ao abismo. Diz o livro do Eclesiástico: “Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá” (19,1). Aquele que, despreocupadamente, se entrega à prática dos pecados veniais, despreza as coisas pequenas. Pouco a pouco se dispõe a cair totalmente, até naufragar de vez nas águas pútridas e fétidas do pecado mortal.
E quanto aos pecados veniais? Seriam estes inofensivos, desprezíveis? Muitos entendem que apenas os pecados mortais devem ser prevenidos, evitados e confessados, imaginando que os pecados veniais não seriam importantes e/ou seriam perdoados "automaticamente". Esta linha de pensamento não corresponde à realidade, pois um pecado mortal muitas vezes é gerado por uma quantidade de pecados veniais cometidos antes. O pecado venial, embora pareça sem importância, é um passo que conduz ao abismo. Diz o livro do Eclesiástico: “Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá” (19,1). Aquele que, despreocupadamente, se entrega à prática dos pecados veniais, despreza as coisas pequenas. Pouco a pouco se dispõe a cair totalmente, até naufragar de vez nas águas pútridas e fétidas do pecado mortal.
Um após
outro, os pecados veniais levam o indivíduo ao abismo, que é o rompimento da
amizade com Deus. Para explicar melhor como se dá a ação dos pecados
veniais, o Catecismo cita Santo Agostinho :
"O homem não pode, enquanto está na carne,
evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses pecados que
chamamos leves, não os consideres insignificantes; se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los! Um
grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas
enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então a nossa
esperança? Antes de tudo, a Confissão... [Sto. Agostinho, In epistulam
Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982]" (CIC §1863)
Portanto,
para evitar o rompimento da amizade com Deus, ou seja, evitar cometer um pecado
grave, é preciso combater os chamados pecados veniais, os quais são passos em
direção ao abismo. E muitos passos juntos percorrem quilômetros. Nesse sentido,
o Sacramento da Confissão é o único remédio eficaz, que pode refrear essa
triste caminhada ou íngreme descida, rumo ao abismo definitivo que chamamos
Inferno.
Uma reflexão final: porque é tão difícil combater o inimigo de todos nós, o inimigo da vida e da humanidade, Satanás, com seus anjos? Se queremos seguir o Caminho, que é Jesus, e sermos fiéis a Deus, vivendo uma vida de bem-aventuranças e alcançarmos por fim a vida eterna, por que voltamos sempre a tropeçar, e nossos passos se desviam? A resposta é simples: é assim porque os demônios nos atacam com uma arma terrível e formidável: o prazer. Sim. Via de regra, o pecado é prazeroso, e se não fosse não seria tão perigoso.
Façamos
uma brevíssima análise dos pecados capitais: gula; luxúria; avareza; ira;
inveja; preguiça; orgulho ou soberba. Todos eles capturam a pessoa humana,
direta ou indiretamente, pelo prazer, – seja o prazer de comer e beber (gula);
o prazer desordenado do sexo (luxúria); o apego ao dinheiro e,
consequentemente, aos inúmeros prazeres que nos pode proporcionar, inclusive o
prazer de ter poder (avareza); seja na inveja do nosso
próximo, que tem ou vive uma situação mais prazerosa que a nossa; na ira que
invariavelmente explode quando algo ou alguém nos submete a uma situação de
privação de prazer ou prazeres; seja a delícia de não fazer nada, sem ter
nenhum compromisso (preguiça) ou a satisfação egoísta de se sentir
superior ao próximo (orgulho).
O prazer
escraviza. Uma vida em pecado é uma vida de escravidão. Uma velha canção
popular perguntava: "Será que tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou
engorda?". – Quanto mais escravizados, mais forte a sensação de "não
posso fazer nada do que gosto". – Quanto mais nos tornamos realmente
livres, porém, mais compreendemos o verdadeiro significado da palavra
liberdade, tão distante de libertinagem.
"O
pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos
atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e
corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a
reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a
raiz." (CIC §1865
Entregar-se
ao pecado é verdadeiramente o completo oposto de ser verdadeiramente livre. – O
prazer do pecado parece bom por um momento, mas dura pouco e, depois que acaba,
o pecador continua, por um lado, o mesmo, e por outro, ainda pior: continua
vazio, e um pouco mais escravo.
Claro que
uma vida sem pecado não precisa ser, necessariamente, uma vida completamente
destituída dos prazeres deste mundo. Não somos máquinas, e nossas mentes e
almas precisam de descanso. Pequenos prazeres e distrações, de vez em quando,
são sem dúvida benéficos. Somos, sim, livres, e tudo nos é permitido, dentro
daquilo que nos convém enquanto cristãos. "Tudo me é permitido, mas nem
tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa
alguma" (1Cor 6,12). – A grande arte da alma livre é, justamente,
aprender a não se deixar dominar por nada e nem por ninguém, porque deve
obediência somente a Deus.
Consta
que certa vez um penitente perguntou ao santo Padre Pio de Pietrelcina como
distinguir uma tentação de um pecado, e como se pode estar certo de que não
pecou. Padre Pio sorriu e respondeu: "Como se distingue um burro de um
homem? O burro tem de ser conduzido; o homem conduz a si próprio".
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