Costuma-se definir
a liberdade como a capacidade de tomar posições espontânea diante do bem e
do mal, sem ser arrastado à força para um nem para outro. Embora sempre
tenha sido considerada pelo homem como um valor muito precioso, o mundo
pré-cristão via a liberdade como privilégio de alguns. Mas o cristianismo
universalizou a idéia de liberdade, tanto que S. Paulo disse que todo homem
é chamado por Deus a ser livre. (cf. Gál.5,1)
Assim, enquanto o pensamento ateu considera a religião como um ataque à
liberdade, sabemos que, historicamente, a verdadeira idéia de liberdade tem
influência cristã, tornando-a inseparável da própria fé, porque só o homem
livre é capaz de escutar a Deus. No entanto, é preciso que o homem se abra
para conhecer o verdadeiro sentido do liberdade tem estado sujeito a más
interpretações de sua parte.
Sabemos que o livre arbítrio consiste na capacidade que o homem tem de se
auto determinar, de contribuir com a sua própria história, tornando-se, de
certa forma, responsável pelo próprio destino. Por ela, o homem pode
decidir-se diante de todos os apelos que encontra no caminho de sua
existência e escolher, baseado no seu conhecimento e vontade, assumindo a
responsabilidade de suas decisões, entre o bem e o mal.
A liberdade de arbítrio é uma faculdade que Deus concebeu ao homem, como
participação na Sua própria liberdade, a fim de que este pratique o bem
voluntariamente, e não como autômato. Deus é livre para me convidar e até
para me conduzir, e eu sou livre para aceitar, uma vez que minha liberdade
de resposta encontra sua fonte na liberdade que Deus teve de me escolher.
Mas não podemos esquecer de que Deus é o Criador, conhecedor de minhas
necessidades muito mais do que eu mesmo, e de que eu sou uma criatura,
limitada na meu modo de ver e julgar. Sobretudo, não podemos nos esquecer
de quea capacidade de optar nos foi dada por Deus para o nosso próprio
crescimento, e para o crescimento da comunidade humana, e não para a nossa
destruição ou destruição do outro.
O Bem Absoluto
Á criatura humana
tem em si a capacidade de reconhecer o Bem absoluto, que é Deus, como um
bem, mas muitas vezes não reconhece os bens relativos ou terrenos nos seus
aspectos positivos e negativos. Quando se torna escravo da liberdade
anticristã, o homem se esquece que estes bens são atraentes sob alguns
aspectos, mas todos são insuficientes para saciar a necessidade que temos
do Bem infinito, que é Deus.
E, quando o homem não reconhece a transitoriedade dos bens terrenos,
torna-se escravo do própria natureza, rebaixando-se a si mesmo, sem
conseguir vislumbrar a quão alta vida Deus o chamou. Condicionado por
fatores internos como traumas, enfermidades, complexos, ou por fatores
esternos como a propaganda, por exemplo, ele pode, de certa forma, diminuir
ou até extinguir sua própria liberdade de arbítrio, enquanto pensa que está
caminhando para a liberdade, está em plena escravidão de si e das idéias
deste mundo, rumo à auto-destruição.
Infelizmente, muitos fazem depender sua escolha dos costumes, das
circunstâncias que estão atravessando ou das opiniões das pessoas com quem
convivem. Estes fatores, embora não tirem a liberdade de escolha do homem,
restringem a capacidade de reconhecer o que é realmente bom. Outros se
tornam escravos da própria razão, deixando de se abrir à novidade do
CHAMADO PESSOAL de Deus para si. Há ainda os que fazem suas opções seguindo
seus sentidos superficiais (estéticos, afetivos, ideológicos, etc.),
esquecidos de que a felicidade do homem não está condicionada a estes
valores efêmeros, como toda realidade visível, mas na realização do fim
supremo para o qual veio ao mundo.
Se tivesse se deixado aprisionar por sua própria natureza, pelos costumes
ou pela lógica, o Profeta Abraão jamais teria deixado sua terra, seu povo e
encontrado a plenitude de sua própria vida. Assim também os outros
Profetas, Juízes, Reis, Nossa Senhora, os Apóstolos, Paulo e todo o povo
das Escrituras resumiriam sua existência à do Jovem Rico da Bíblia, que não
quis conhecer e viver a vontade de Deus para si.
O ser humano foi feito para ultrapassar a si mesmo, sua própria natureza,
seus próprios sentimentos, e sua própria razão em busca do outro que é
Deus. Quem sufoca em si ou nos outros essa tendência, de alguma forma
mutila a natureza humana.
Deus intervém para
libertar
Desde sua criação,
todo homem é dotado da capacidade de responder, por livre opção, às
intenções de Deus para com ele. No entanto, muito longe ainda estamos de
compreender a verdadeira liberdade à qual Deus nos chamou! A soberania de
Deus não é uma dominação cega e indiferente, e sim, interessada em dar ao
eleito a qualidade de vida que lhe convém.
Desde o início do tempos, toda intervenção de Deus na história do homem
gerou para este a verdadeira liberdade. Mas o homem, sempre desconfiado de
Deus e invejoso de seus irmãos, costuma relutar em aceitar a graça e a
generosidade do convite divino. Tem sempre muitas objeções a fazer quando é
agraciado. Mas os convites de Deus são livres. Deus é livre! E chama o
homem a viver também esta liberdade! A liberdade de optar pelo melhor! Deus
disse a Josué, que havia tomado seu pai Abraão, mas Josué era livre para
escolher a quem servir. (cf.Jos.24,3-15 )
Dia – a - Dia somos chamados, das pequenas às grandes coisas. E realmente a
eleição de Deus, muitas vezes, transtorna nossos projetos pessoais,
propondo um novo modo de existência, exigindo de nós uma resposta. Mas as
propostas de Deus nunca tiram do homem sua liberdade de escolha. E falou
claramente pela boca do profeta Ezequiel da responsabilidade individual de
cada homem diante das próprias escolhas (Ez. 18)
O homem e a liberdade
Porém o homem
sempre teve dificuldades de conviver com a própria liberdade. Os pagãos de
outrora sentiam-se governados pela fatalidade, quando na verdade eram
livres, e os custaram a reconhecer a própria escravidão, como também o
homem de hoje tem buscado liberdade por meios que o escravizam.
Toda a Escritura fala dos convites amorosos de Deus ao homem, revelando Sua
vontade para este, enquanto sublinha sua responsabilidade individual e poder
de opção. Jesus anunciou sua missão de dar liberdade aos homens (cf. Lc
4,18) e Paulo incansavelmente repetiu: “Irmãos, vós fostes chamados à
liberdade” (Gal. 5,13). Toda a Escritura revela que a aparente oposição
entre a Soberania divina e a liberdade do homem é uma grande mentira. A
verdade é que a graça de Deus e a livre obediência do homem são reais e
ambas necessárias à Salvação deste. Sabemos que pertence ao homem escolher
entre a bênção e a maldição, a vida e a morte. A cada um cabe entrar e perseverar
no caminho que leva à vida!
Só Deus conhece o verdadeiro segredo de inclinar nosso coração sem
violentá-lo e de nos atrair sem nos forçar. Deus é inteiramente livre na
sua escolha, mas a liberdade da eleição divina não nos autoriza a concluir
que seja ilusória a liberdade humana. Há em todo homem uma verdadeira
liberdade de opção.
Desde o princípio, Deus quis que o homem escolhesse livremente entre o bem
e o mal, entre o Deus e o não Deus, entre a aceitação ou a recusa da
vocação que nos confere, entre aderir ou rejeitar as missões quem os
confia, e nos deu como orientação unicamente a Sua imagem...
Cristo: Modelo de liberdade
Antes de Cristo, o
homem desconhecia o verdadeiro sentido da liberdade. A verdadeira liberdade
está enraizada na amor a Deus e não no amor do homem a si mesmo. A
liberdade é ser para Deus, e não ser para si. No momento em que o homem não
quer mais ir para Deus, mas se empenha em permanecer centrado em si,
torna-se, novamente, escravo de si mesmo e tem que renovar sua opção pela graça.
Ao renunciar a Deus, renunciou à vida, e, ao voltar-se para si, entregou-se
à morte, porque somente Deus é a vida! Separada de Deus, a existência
humana torna-se escrava de si e presa à aspiração da carne que é a morte.
Por isto é que S. Paulo nos exorta a fazer-nos o que por graça já somos:
livres! Deus é mais íntimo de nossa vontade que nós mesmos, mas sua
presença é respeitosa, e não destrói nossa autonomia. Ouvir, deixar-se
tocar é uma graça, mas, aderir à ela continua sendo um ato livre e responsável
do homem.
Deus, em vez de se apropriar da liberdade humana a multiplicou, porque quer
o amor livre do homem, quer que este O siga livremente, encantado e
conquistado por Sua pessoa!
Somos livres e, embora constantemente colocados diante da lembrança da
morte, somos continuamente convidados à vida, a nos retirarmos da prisão
das nossas mesquinharias e sermos levados à visão do que é seguro, vivo,
eterno. Somos continuamente decepcionados em nossa veneração aos valores
relativos, e convidados a conhecermos a felicidade que não passa!
Todo cristão é livre no sentido de que, em Cristo, recebeu o poder de viver
na intimidade do Pai, sem ver entravado pelos laços do pecado, da morte e
da lei. Sim, porque o pecado é o verdadeiro déspota de cujo jugo Jesus nos
arranca. Tanto que S. Paulo diz: “Deus nos arrancou do império das trevas e
nos transferiu para o retiro do seu Filho Bem – Amado, no qual temos a
redenção, a remissão dos pecados” (Col 1,13).
Também a morte, comparsa infalível do pecado, é vencida, de modo que,
sabendo que ressuscitará, o homem deve deixar de temê-la. A lei da qual
somos livres é a da exterioridade, das ações movidas pelo interesse
próprio, e não das que são movidas pelo amor de Deus.
Fomos chamados a uma liberdade tão perfeita, que nem de longe ainda
compreendemos. Fomos chamados a nos livrar do espírito de escravos, a sair
da ignorância e compreender nossa dignidade de filhos de Deus, destinados à
ressurreição e a agir coerentemente com a verdadeira liberdade que Jesus
alcançou para nós. Ele, que é a Porta e o Caminho, passou à nossa frente
seguindo, indicando-nos e nos tomando pela mão rumo à verdadeira liberdade!
Obediência e liberdade
Longe do que
muitos pensam, a liberdade de arbítrio não consiste na possibilidade de
pecar livremente. Ao contrário, Jesus, nosso modelo, caminho e porta,
conheceu perfeita liberdade de arbítrio ao escolher voluntariamente a morte
de cruz, em obediência à vontade de Deus. Livre, Ele se orientou para o fim
supremo de todo homem, que é Deus, de forma espontânea, não constrangida ou
violenta. Assim entendida, a liberdade é um meio, e não um fim. Ela nos
possibilita a praticar o que Deus, de forma espontânea, não constrangida ou
violenta. Assim entendida, a liberdade é um meio, e não um fim. Ela nos possibilita
a praticar o que Deus quer, (o nosso maior bem) de modo responsável, por
decisão espontânea.
Muitos pensam que obediência e liberdade são duas palavras antônimas, o que
é um engano profundo, porque a obediência é uma manifestação da liberdade,
já que só homem interiormente livre pode optar responsavelmente por
obedecer. Quando Jesus se “fez obediente até à morte de cruz”(Fil 2,8),
estava encerrando um tempo de escravidão do homem ao pecado, à lei
farisaica, e ao medo do morte, e abrindo para este o caminho da perfeição
obediência.
Jesus, como verdadeiro homem, foi livre e usou de Sua liberdade para se
entregar generosamente à vontade do Pai. Ele certamente sabia a dor que tal
atitude poderia causar à Sua natureza humana. Ele não era alguém insensível.
Mas, por livre e espontânea vontade, Jesus assumiu a Sua morte no tempo e
no lugar previsto pelo Pai. Assim, Jesus fez Sua condenação uma oferenda
voluntária. Numa atitude de livre subordinação, disse: “Faça-se a tua
vontade, e não a minha, ó Pai”.
Cristo nos convida a manifestar nossa liberdade na obediência à voz de Deus
que se faz ouvir nos Mandamentos, na Palavra, na Igreja e nas autoridades
por ela instituídas. Fazendo esta livre opção é que o homem encontra a
liberdade, passando do temor ao amor, e libertando-se o perigo de servir ao
próprio egoísmo e libertinagem. A suprema obediência a Cristo é, assim, a
condição da suprema liberdade do cristão, chamado a ser livre na obediência
completa ao Pai em Cristo.
Assumir Cristo como modelo da verdadeira liberdade, que não se opõe à
obediência, é o desafio de todo cristão. Cristo é para nós o verdadeiro
modelo de liberdade responsável, realizada dentro do obediência à vontade
do Pai. Como livre que é, Ele aceita a vontade do Pai com o conhecimento
mais autêntico, com os olhos bem abertos e o coração jubiloso.
A troca constante
O cristão é
chamado à liberdade de tornar disponível para Deus a sua vida, cultura,
vocação e profissão, a fim de que Ele realize o projeto único e perfeito
que tem para sua vida. Não há autêntica liberdade para o homem que vive
para si mesmo, mas somente para aquele que vive em Deus e para Deus.
É, assim, vazio e transitório todo projeto humano que não está compreendido
no projeto único de Deus para sua vida. Romper todos os laços que não seja
depender só dele para conquistar a verdadeira liberdade é o que caracteriza
a atividade espiritual do cristão.
Somos diariamente colocados diante da veneração das grandezas passageiras e
levados à visão do que é eterno e seguro, colocados diante da lembrança da
morte e convidados à ressuscitar com Cristo, colocados diante das nossas
fragilidades e convidados, por Sua enorme confiança, a tão altas missões!
Presos a Ele pelos laços do amor, porque só ele tem a vida, mas, ao mesmo
tempo livres para optar ou não por ele e pela sua vontade para as nossas
vidas.
Cristo nos faz livres, mas permanece espontânea e eternamente preso a nós
na Eucaristia. Trocou de lugar conosco e nos convida a viver este colóquio,
esta troca constante de liberdades, esperando alguém que lhe responda: -
Senhor, eu recebo a tua liberdade e em troca Te dou a minha!
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por
Escola de Formação Shalom
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