sábado, 1 de agosto de 2015

A misericórdia de Deus na rede

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A evangelização no continente digital se diferencia muito pouco da evangelização tradicional. Não tem força quando vem cheia de julgamentos, de preconceitos e de regras de conduta moral simplesmente.
misericordia redeO que fazer quando no “continente digital” me encontro com o diferente? Às vezes, vejo muito jovens que, na intenção de evangelizar, põem-se em conflitos enormes, travam discussões que não levam a nada e ainda se expõem a situações constrangedoras. Na intenção de levar a luz para onde há treva¹, muitos terminam esquecendo de manter a lâmpada acesa com o óleo da caridade e, por causa da escuridão que agora também se meteram, erram o alvo.
Evangelizar ou amar?
A evangelização é, acima de tudo, amor. O movimento primeiro do evangelizador não é fazer a igreja ficar cheia de gente, mas é ir ao encontro do homem ferido, como o bom samaritano,² e amá-lo, cuidando das suas feridas e oferecendo de graça o que de graça recebemos, ou seja, o amor de Deus.
Para que fomos criados? Para amar ou para evangelizar? Fácil! Para os dois! Amar e evangelizar não são duas coisas opostas, ao contrário, são a mesma coisa. Quantas vezes sofremos por saber que tantos ainda não conhecem a Deus como eu e, por isso, sofrem pelo vazio profundo que nem o dinheiro, nem as drogas, nem o sexo desregrado e nem a fama conseguem preencher. É por isso que vou evangelizar, pois quero amar.
O nosso inimigo
No escuro, é difícil acertar o alvo, mas sabemos bem quem é o nosso inimigo comum: o inimigo de Deus, o demônio. Sem querer, algumas vezes, por termos que ir até o escuro – para levar a luz –, erramos o alvo e começamos a lutar uns contra os outros. Lutamos, às vezes, pela mesma causa e, pasmem, dizendo talvez a mesma coisa.
Quando temos clareza que o nosso inimigo é comum, não tem porque lutarmos uns contra os outros. O outro, por mais diferente que seja, busca o mesmo que eu: a verdade. E como diz Edith Stein: “quem procura a verdade procura Deus, ainda que não o saiba”. Precisamos então ajudar o “diferente” a encontrar o que já encontramos. Como? Fazendo-o encontrar Deus em nós. E como fazer isso? Vejamos…
O rosto de Deus no outro
O diferente de mim, aparentemente, como o bêbado, o ladrão ou seja lá o que for, é, na verdade, o alvo do amor de Deus e, claro, do meu amor. Os mandamentos se resumem em: “ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente; e ao seu próximo como a si mesmo”³.
O próximo a mim não é aquele que pensa como eu penso ou vive como eu vivo. O próximo a mim é aquele de quem eu me aproximo para cuidar, para fazer o curativo e para lavar as suas feridas.
Como agir com o diferente na rede?
Torná-lo meu próximo é agir com misericórdia. Essa parece ser a resposta mais de acordo com o Evangelho. O outro é alvo da misericórdia. Quando me encontro com as pessoas, devo me relacionar não as julgando, nem cheio de preconceitos, como aqueles que viram o homem caído na estrada; ao contrário, devo me aproximar e amar.
A evangelização no continente digital se diferencia muito pouco da evangelização tradicional. Não tem força quando vem cheia de julgamentos, de preconceitos e de regras de conduta moral simplesmente. Vou ser mais claro. Algumas vezes, diante de uma atualização do status nas redes sociais de um jovem “ateu” que tenha feito um comentário crítico à Igreja, por exemplo, vemos uma enxurrada de comentários ofensivos – de cristãos. Críticas duras, preconceituosas e agressivas moralmente. Parece estranho esse tipo de comportamento para um cristão! Ou não?
Criticar ou propor
É importante perceber que quando critico – mesmo que com caridade -, muitas vezes faço a pessoa refletir, mas a crítica em si não traz solução. Se o homem caído na estrada continua caído, o que adianta criticá-lo?
Existem duas formas de mudar uma realidade. Criticando o que está errado ou propondo o certo. O crítico se coloca de fora, julga e não tem interesse nenhum de ajudar a mudança, mesmo que queira muito que mude. Muitas vezes, o crítico já perdeu a esperança, pois não encontra solução alternativa para aquilo que critica. No campo da fé, isso é terrível, pois tiramos a possibilidade da pessoa de se converter, dar a volta por cima e viver uma nova vida.
Imaginemos um jovem que emitiu uma opinião que eu não concordo, porque fere os valores da Igreja. Eu e meus amigos todos o criticamos explicitamente e mostramos que ele está errado. Pronto! Estamos mais felizes porque provamos que estávamos certos. E tínhamos dúvida disso? O que quero saber é: e o nosso alvo? Qual era o nosso objetivo? Eu o evangelizei ou só provei que a Igreja estava certa? E se ele quiser mudar, o que encontrará quando se aproximar de nós?
Acredito que a evangelização pelas redes sociais deve ser propositiva e dialogal. O diálogo é o novo nome da caridade4. Precisamos nos colocar em diálogo, sem medo, com os outros diferentes de nós. Não entendo o diálogo como discutir simplesmente os dogmas da Igreja – mesmo que algumas vezes seja necessário – mas, acima de tudo, relacionar-se, tornar-se próximo.
Quando me torno próximo, derrubo um muro que me separava e, com o mesmo tijolo, construo uma ponte. Agora, mesmo virtualmente, o outro se sente normal e se abre para conhecer aquele que está conectado com ela, com a ponte. Ou seja, uma ponte se constrói para a minha evangelização, que se dá a partir das palavras, mas acima de tudo, do testemunho.
Coisas simples nos nossos relacionamentos virtuais questionam aquele com o qual nos relacionamos. Conheço uma jovem que tem o costume de evangelizar pela internet. Na verdade, ela estuda inglês e procura nativos de língua inglesa para conversar e assim, evangelizar também. A jovem acaba conhecendo muita gente. Um dia, a moça atualizou o seu perfil com a seguinte frase: “Christ is the best choice that I have ever made”. A partir dessa frase, vários contatos lhe perguntaram o porquê da frase. Essa foi a oportunidade de propor, de explicar, o motivo da escolha por Cristo em sua vida.
Acredito que não há maior beleza do que Cristo, nem vida mais bela que uma vida cristã coerente. Por isso, nada mais atrativo que propor uma vida verdadeiramente completa, que preencha o vazio. Há uma atração por aquilo que é belo.
A exigência da evangelização propositiva é o testemunho. A crítica negativa aponta os erros, mas não exige coerência. Posso dizer que você está errado, mesmo não fazendo o certo. Quando falamos de evangelização, e de proposições, exige-se um testemunho. Geralmente as pessoas nos procuram e querem ver em nossas vidas o que nossas palavras disseram, ou seja, elas desejam encontrar a verdadeira solução e modelo para imitar.
É importante denunciar – a famosa crítica com a caridade; porém, não podemos esquecer que temos algo a propor. Isso é muito mais importante. Isso só nós temos! Essa crítica desperta a mudança, mas o testemunho é que apresenta solução para ser imitada.
A misericórdia
A misericórdia é a melhor postura de evangelização na rede. Todos nós somos pecadores. Quem não tiver pecado que atire o primeiro mouse! Precisamos ter postura de acolhimento e misericórdia para com todos que vêm ao nosso encontro em busca de Deus.
Uma evangelização que parte da misericórdia me faz próximo de todos, pois tanto eu quanto o outro somos alvos da misericórdia. Inclusive eu, que estou indo ao seu encontro.
Então, quando for evangelizar no continente digital, não se esqueça:
O nosso inimigo comum é o demônio, e não meu irmão.
O diferente, mesmo muito diferente, tem o mesmo desejo que eu: o de buscar a verdade, buscar Deus, mesmo que não saiba.
Se for criticar, não esqueça de manter a lâmpada da caridade acesa, assim, você não corre o risco de ficar no escuro e errar o alvo.
Mais que criticar, proponha. Crie pontes.
Não perca tanto tempo em discussões prolongadas de assuntos tão polêmicos. Essa é a segunda parte e só tem verdadeiro efeito depois que nos tornamos próximo.
Seja um sinal de Deus para os outros, seja expressão da misericórdia.
¹ Mt 5,14.
² Lc 10, 37.
³ Lc 10, 27.
João Paulo II disse isso na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, p. 74.

Franco Galdino

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