259. Os pais incidem sempre, para bem ou para mal, no desenvolvimento
moral dos seus filhos. Consequentemente, o melhor é aceitarem esta
responsabilidade inevitável e realizarem-na de modo consciente,
entusiasta, razoável e apropriado. Uma vez que esta função educativa das
famílias é tão importante e se tornou muito complexa, quero deter-me de
modo especial neste ponto.
Onde estão os filhos?
260. A família não pode renunciar a ser lugar de apoio,
acompanhamento, guia, embora tenha de reinventar os seus métodos e
encontrar novos recursos. Precisa de considerar a que realidade quer
expor os seus filhos. Para isso não deve deixar de se interrogar sobre
quem se ocupa de lhes oferecer diversão e entretenimento, quem entra nas
suas casas através dos écrans, a quem os entrega para que os guie nos
seus tempos livres. Só os momentos que passamos com eles, falando com
simplicidade e carinho das coisas importantes, e as possibilidades
sadias que criamos para ocuparem o seu tempo permitirão evitar uma
nociva invasão. Sempre faz falta vigilância; o abandono nunca é sadio.
Os pais devem orientar e alertar as crianças e os adolescentes para
saberem enfrentar situações onde possa haver risco, por exemplo, de
agressões, abuso ou consumo de droga.
261. A obsessão, porém, não é educativa; e também não é possível ter o
controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a
encontrar-se. Vale aqui o princípio de que «o tempo é superior ao
espaço»,[291]
isto é, trata-se mais de gerar processos que de dominar espaços. Se um
progenitor está obcecado com saber onde está o seu filho e controlar
todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu espaço. Mas,
desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para
enfrentar os desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho,
com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de
preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia.
Só assim este filho terá em si mesmo os elementos de que precisa para
saber defender-se e agir com inteligência e cautela em circunstâncias
difíceis. Assim, a grande questão não é onde está fisicamente o filho,
com quem está neste momento, mas onde se encontra em sentido
existencial, onde está posicionado do ponto de vista das suas
convicções, dos seus objectivos, dos seus desejos, do seu projecto de
vida. Por isso, eis as perguntas que faço aos pais: «Procuramos
compreender “onde” os filhos verdadeiramente estão no seu caminho?
Sabemos onde está realmente a sua alma? E, sobretudo, queremos sabê-lo?»[292]
262. Se a maturidade fosse apenas o desenvolvimento de algo já
contido no código genético, quase nada poderíamos fazer. Mas não é! A
prudência, o recto juízo e a sensatez não dependem de factores puramente
quantitativos de crescimento, mas de toda uma cadeia de elementos que
se sintetizam no íntimo da pessoa; mais exactamente, no centro da sua
liberdade. É inevitável que cada filho nos surpreenda com os projectos
que brotam desta liberdade, que rompa os nossos esquemas; e é bom que
isto aconteça. A educação envolve a tarefa de promover liberdades
responsáveis, que, nas encruzilhadas, saibam optar com sensatez e
inteligência; pessoas que compreendam sem reservas que a sua vida e a
vida da sua comunidade estão nas suas mãos e que esta liberdade é um dom
imenso.
A formação ética dos filhos
263. Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução
de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem
delegar totalmente. O desenvolvimento afectivo e ético duma pessoa
requer uma experiência fundamental: crer que os próprios pais são dignos
de confiança. Isto constitui uma responsabilidade educativa: com o
carinho e o testemunho, gerar confiança nos filhos, inspirar-lhes um
respeito amoroso. Quando um filho deixa de sentir que é precioso para
seus pais, embora imperfeito, ou deixa de notar que nutrem uma sincera
preocupação por ele, isto cria feridas profundas que causam muitas
dificuldades no seu amadurecimento. Esta ausência, este abandono
afectivo provoca um sofrimento mais profundo do que a eventual correcção
recebida por uma má acção.
264. A tarefa dos pais inclui uma educação da vontade e um
desenvolvimento de hábitos bons e tendências afectivas para o bem. Isto
implica que se apresentem como desejáveis os comportamentos a aprender e
as tendências a fazer maturar. Mas trata-se sempre de um processo que
vai da imperfeição para uma plenitude maior. O desejo de se adaptar à
sociedade ou o hábito de renunciar a uma satisfação imediata para se
adequar a uma norma e garantir uma boa convivência já é, em si mesmo, um
valor inicial que cria disposições para se elevar depois rumo a valores
mais altos. A formação moral deveria realizar-se sempre com métodos
activos e com um diálogo educativo que integre a sensibilidade e a
linguagem própria dos filhos. Além disso, esta formação deve ser
realizada de forma indutiva, de modo que o filho possa chegar a
descobrir por si mesmo a importância de determinados valores, princípios
e normas, em vez de lhos impor como verdades indiscutíveis.
265. Para agir bem, não basta «julgar de modo adequado» ou saber com
clareza aquilo que se deve fazer, embora isso seja prioritário. Com
efeito, muitas vezes somos incoerentes com as nossas próprias
convicções, mesmo quando são sólidas. Há ocasiões em que, por mais que a
consciência nos dite determinado juízo moral, têm mais poder outras
coisas que nos atraem; isto acontece, se não conseguirmos que o bem
individuado pela mente se radique em nós como uma profunda inclinação
afectiva, como um gosto pelo bem que pese mais do que outros atractivos e
nos faça perceber que aquilo que individuamos como bem é tal também
«para nós» aqui e agora. Uma formação ética válida implica mostrar à
pessoa como é conveniente, para ela mesma, agir bem. Muitas vezes, hoje,
é ineficaz pedir algo que exija esforço e renúncias, sem mostrar
claramente o bem que se poderia alcançar com isso.
266. É necessário maturar hábitos. Os próprios hábitos adquiridos em
criança têm uma função positiva, ajudando a traduzir em comportamentos
externos sadios e estáveis os grandes valores interiorizados. Uma pessoa
pode possuir sentimentos sociáveis e uma boa disposição para com os
outros, mas se não foi habituada durante muito tempo, por insistência
dos adultos, a dizer «por favor», «com licença», «obrigado», a tal boa
disposição interior não se traduzirá facilmente nestas expressões. O
fortalecimento da vontade e a repetição de determinadas acções constroem
a conduta moral; mas, sem a repetição consciente, livre e elogiada de
determinados comportamentos bons, nunca se chega a educar tal conduta.
As motivações ou a atracção que sentimos por um determinado valor, não
se tornam uma virtude sem estes actos adequadamente motivados.
267 A liberdade é algo de grandioso, mas podemos perdê-la. A educação
moral é cultivar a liberdade através de propostas, motivações,
aplicações práticas, estímulos, prémios, exemplos, modelos, símbolos,
reflexões, exortações, revisões do modo de agir e diálogos que ajudem as
pessoas a desenvolver aqueles princípios interiores estáveis que movem a
praticar espontaneamente o bem. A virtude é uma convicção que se
transformou num princípio interior e estável do agir. Assim, a vida
virtuosa constrói a liberdade, fortifica-a e educa-a, evitando que a
pessoa se torne escrava de inclinações compulsivas desumanizadoras e
anti-sociais. Com efeito, a própria dignidade humana exige que cada um
«proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja,
movido e induzido pessoalmente desde dentro».[293]
O valor da sanção como estímulo
268. De igual modo, é indispensável sensibilizar a criança e o
adolescente para se darem conta de que as más acções têm consequências. É
preciso despertar a capacidade de colocar-se no lugar do outro e sentir
pesar pelo seu sofrimento originado pelo mal que lhe fez. Algumas
sanções – aos comportamentos anti-sociais agressivos – podem
parcialmente cumprir esta finalidade. É importante orientar a criança,
com firmeza, para que peça perdão e repare o mal causado aos outros.
Quando o percurso educativo mostra os seus frutos num amadurecimento da
liberdade pessoal, a dado momento o próprio filho começará a reconhecer,
com gratidão, que foi bom para ele crescer numa família e também
suportar as exigências impostas por todo o processo formativo.
269. A correcção é um estímulo quando, ao mesmo tempo, se apreciam e
reconhecem os esforços e quando o filho descobre que os seus pais
conservam viva uma paciente confiança. Uma criança corrigida com amor
sente-se tida em consideração, percebe que é alguém, dá-se conta de que
seus pais reconhecem as suas potencialidades. Isto não exige que os pais
sejam irrepreensíveis, mas que saibam reconhecer, com humildade, os
seus limites e mostrem o seu esforço pessoal por ser melhores. Mas um
testemunho de que os filhos precisam da parte dos pais, é que estes não
se deixem levar pela ira. O filho, que comete uma má acção, deve ser
corrigido, mas nunca como um inimigo ou como alguém sobre quem se
descarrega a própria agressividade. Além disso, um adulto deve
reconhecer que algumas más acções têm a ver com as fragilidades e os
limites próprios da idade. Por isso, seria nociva uma atitude
constantemente punitiva, porque não ajudaria a notar a diferente
gravidade das acções e provocaria desânimo e exasperação: «Vós, pais,
não exaspereis os vossos filhos» (Ef 6, 4; cf. Col 3, 21).
270. Condição fundamental é que a disciplina não se transforme numa
mutilação do desejo, mas se torne um estímulo para ir sempre mais além.
Como integrar disciplina e dinamismo interior? Como fazer para que a
disciplina seja limite construtivo do caminho que uma criança deve
empreender e não um muro que a aniquile ou uma dimensão da educação que a
iniba? É preciso saber encontrar um equilíbrio entre dois extremos
igualmente nocivos: um seria pretender construir um mundo à medida dos
desejos do filho, que cresceria sentindo-se sujeito de direitos mas não
de responsabilidades; o outro extremo seria levá-lo a viver sem
consciência da sua dignidade, da sua identidade singular e dos seus
direitos, torturado pelos deveres e submetido à realização dos desejos
alheios.
Realismo paciente
271. A educação moral implica pedir a uma criança ou a um jovem
apenas aquelas coisas que não representem, para eles, um sacrifício
desproporcionado, exigir-lhes apenas aquela dose de esforço que não
provoque ressentimento ou acções puramente forçadas. O percurso normal é
propor pequenos passos que possam ser compreendidos, aceites e
apreciados, e impliquem uma renúncia proporcionada. Caso contrário,
pedindo demasiado, nada se obtém. A pessoa, logo que puder livrar-se da
autoridade, provavelmente deixará de praticar o bem.
272. Por vezes, a formação ética provoca desprezo devido a
experiências de abandono, desilusão, carência afectiva, ou a uma má
imagem dos pais. Projectam-se sobre os valores éticos as imagens
distorcidas das figuras do pai e da mãe ou as fraquezas dos adultos. Por
isso, é preciso ajudar os adolescentes a porem em prática a analogia:
os valores são cumpridos perfeitamente por algumas pessoas muito
exemplares, mas também se realizam de forma imperfeita e em diferentes
graus. E uma vez que as resistências dos jovens estão muito ligadas a
experiências negativas, é preciso ao mesmo tempo ajudá-los a percorrer
um itinerário de cura deste mundo interior ferido, para poderem ter
acesso à compreensão e à reconciliação com as pessoas e com a sociedade.
273. Quando se propõe os valores, é preciso fazê-lo pouco a pouco,
avançar de maneira diferente segundo a idade e as possibilidades
concretas das pessoas, sem pretender aplicar metodologias rígidas e
imutáveis. A psicologia e as ciências da educação, com suas valiosas
contribuições, mostram que é necessário um processo gradual para se
conseguir mudanças de comportamento e também que a liberdade precisa de
ser orientada e estimulada, porque, abandonando-a a si mesma, não se
garante a sua maturação. A liberdade efectiva, real, é limitada e
condicionada. Não é uma pura capacidade de escolher o bem, com total
espontaneidade. Nem sempre se faz uma distinção adequada entre acto
«voluntário» e acto «livre». Uma pessoa pode querer algo de mal com uma
grande força de vontade, mas por causa duma paixão irresistível ou duma
educação deficiente. Neste caso, a sua decisão é fortemente voluntária,
não contradiz a inclinação da sua vontade, mas não é livre, porque lhe
resulta quase impossível não escolher aquele mal. É o que acontece com
um dependente compulsivo da droga: quando a quer, fá-lo com todas as
suas forças, mas está tão condicionado que, na hora, não é capaz de
tomar outra decisão. Portanto, a sua decisão é voluntária, mas não
livre. Não tem sentido «deixá-lo escolher livremente», porque, de facto,
não pode escolher, e expô-lo à droga só aumenta a dependência. Precisa
da ajuda dos outros e de um percurso educativo.
A vida familiar como contexto educativo
274. A família é a primeira escola dos valores humanos, onde se
aprende o bom uso da liberdade. Há inclinações maturadas na infância,
que impregnam o íntimo duma pessoa e permanecem toda a vida como uma
inclinação favorável a um valor ou como uma rejeição espontânea de
certos comportamentos. Muitas pessoas actuam a vida inteira duma
determinada forma, porque consideram válida tal forma de agir, que
assimilaram desde a infância, como que por osmose: «Fui ensinado assim»;
«isto é o que me inculcaram». No âmbito familiar, pode-se aprender
também a discernir, criticamente, as mensagens dos vários meios de
comunicação. Muitas vezes, infelizmente, alguns programas televisivos ou
algumas formas de publicidade incidem negativamente e enfraquecem
valores recebidos na vida familiar.
275. Na época actual, em que reina a ansiedade e a pressa
tecnológica, uma tarefa importantíssima das famílias é educar para a
capacidade de esperar. Não se trata de proibir as crianças de jogarem
com os dispositivos electrónicos, mas de encontrar a forma de gerar
nelas a capacidade de diferenciarem as diversas lógicas e não aplicarem a
velocidade digital a todas as áreas da vida. O adiamento não é negar o
desejo, mas retardar a sua satisfação. Quando as crianças ou os
adolescentes não são educados para aceitar que algumas coisas devem
esperar, tornam-se prepotentes, submetem tudo à satisfação das suas
necessidades imediatas e crescem com o vício do «tudo e súbito». Este é
um grande engano que não favorece a liberdade; antes, intoxica-a. Ao
contrário, quando se educa para aprender a adiar algumas coisas e
esperar o momento oportuno, ensina-se o que significa ser senhor de si
mesmo, autónomo face aos seus próprios impulsos. Assim, quando a criança
experimenta que pode cuidar de si mesma, enriquece a própria
auto-estima. Ao mesmo tempo, isto ensina-lhe a respeitar a liberdade dos
outros. Naturalmente isto não significa pretender das crianças que
actuem como adultos, mas também não se deve subestimar a sua capacidade
de crescer na maturação duma liberdade responsável. Numa família sã,
esta aprendizagem realiza-se de forma normal através das exigências da
convivência.
276. A família é o âmbito da socialização primária, porque é o
primeiro lugar onde se aprende a relacionar-se com o outro, a escutar,
partilhar, suportar, respeitar, ajudar, conviver. A tarefa educativa
deve levar a sentir o mundo e a sociedade como «ambiente familiar»: é
uma educação para saber «habitar» mais além dos limites da própria casa.
No contexto familiar, ensina-se a recuperar a proximidade, o cuidado, a
saudação. É lá que se rompe o primeiro círculo do egoísmo mortífero,
fazendo-nos reconhecer que vivemos junto de outros, com outros, que são
dignos da nossa atenção, da nossa gentileza, do nosso afecto. Não há
vínculo social, sem esta primeira dimensão quotidiana, quase
microscópica: conviver na proximidade, cruzando-nos nos vários momentos
do dia, preocupando-nos com aquilo que interessa a todos, socorrendo-nos
mutuamente nas pequenas coisas do dia-a-dia. A família tem de inventar,
todos os dias, novas formas de promover o reconhecimento mútuo.
277. No ambiente familiar, é possível também repensar os hábitos de
consumo, cuidando juntos da casa comum: «A família é a protagonista de
uma ecologia integral, porque constitui o sujeito social primário, que
contém no seu interior os dois princípios-base da civilização humana
sobre a terra: o princípio da comunhão e o princípio da fecundidade».[294]
De igual modo, podem ser muito educativos os momentos difíceis e duros
da vida familiar. É o que acontece, por exemplo, quando chega uma
doença, porque, «diante da doença, até em família surgem dificuldades,
por causa da debilidade humana. Mas, em geral, o tempo da enfermidade
faz aumentar a força dos vínculos familiares. (...) Uma educação que
negligencie a sensibilidade pela doença humana, torna árido o coração. E
deixa os jovens “anestesiados” em relação ao sofrimento do próximo,
incapazes de se confrontar com o sofrimento e de viver a experiência do
limite».[295]
278. O encontro educativo entre pais e filhos pode ser facilitado ou
prejudicado pelas tecnologias de comunicação e distracção, cada vez mais
sofisticadas. Bem utilizadas, podem ser úteis para pôr em contacto os
membros da família, que vivem longe. Os contactos podem ser frequentes e
ajudar a resolver dificuldades.[296]
Mas deve ficar claro que não substituem nem preenchem a necessidade do
diálogo mais pessoal e profundo que requer o contacto físico ou, pelo
menos, a voz da outra pessoa. Sabemos que, às vezes, estes meios afastam
em vez de aproximar, como quando, na hora da refeição, cada um está
concentrado no seu telemóvel ou quando um dos cônjuges adormece à espera
do outro que passa horas entretido com algum dispositivo electrónico.
Na família, também isto deve ser motivo de diálogo e de acordos que
permitam dar prioridade ao encontro dos seus membros sem cair em
proibições insensatas. Em todo o caso, não se podem ignorar os riscos
das novas formas de comunicação para as crianças e os adolescentes,
chegando às vezes a torná-los apáticos, desligados do mundo real. Este
«autismo tecnológico» expõe-nos mais facilmente às manipulações daqueles
que procuram entrar na sua intimidade com interesses egoístas.
279. Mas também não é bom que os pais se tornem seres omnipotentes
para seus filhos, de modo que estes só poderiam confiar neles, porque
assim impedem um processo adequado de socialização e amadurecimento
afectivo. Para tornar eficaz o prolongamento da paternidade e da
maternidade para uma realidade mais ampla, «as comunidades cristãs são
chamadas a dar o seu apoio à missão educativa das famílias»,[297]
particularmente através da catequese de iniciação. Para favorecer uma
educação integral, precisamos de «reavivar a aliança entre a família e a
comunidade cristã».[298]
O Sínodo quis destacar a importância das escolas católicas, que
«realizam uma função vital de ajuda aos pais no seu dever de educar os
filhos. (...) As escolas católicas deveriam ser incentivadas na sua
missão de ajudar os alunos a crescer como adultos maduros que podem ver o
mundo através do olhar de amor de Jesus e compreender a vida como uma
chamada para servir a Deus».[299]
Para isso «deve-se afirmar resolutamente a liberdade da Igreja ensinar a
própria doutrina e o direito à objecção de consciência por parte dos
educadores».[300]
Sim à educação sexual
280. O Concílio Vaticano II apresentava a necessidade de «uma
educação sexual positiva e prudente» oferecida às crianças e
adolescentes «à medida que vão crescendo» e «tendo em conta os
progressos da psicologia, pedagogia e didáctica».[301]
Deveríamos perguntar-nos se as nossas instituições educativas assumiram
este desafio. É difícil pensar na educação sexual num tempo em que se
tende a banalizar e empobrecer a sexualidade. Só se poderia entender no
contexto duma educação para o amor, para a doação mútua; assim, a
linguagem da sexualidade não acabaria tristemente empobrecida, mas
esclarecida. É possível cultivar o impulso sexual num percurso de
conhecimento de si mesmo e no desenvolvimento duma capacidade de
autodomínio, que podem ajudar a trazer à luz capacidades preciosas de
alegria e encontro amoroso.
281. A educação sexual oferece informação, mas sem esquecer que as
crianças e os jovens ainda não alcançaram plena maturidade. A informação
deve chegar no momento apropriado e de forma adequada à fase que vivem.
Não é útil saturá-los de dados, sem o desenvolvimento do sentido
crítico perante uma invasão de propostas, perante a pornografia
descontrolada e a sobrecarga de estímulos que podem mutilar a
sexualidade. Os jovens devem poder dar-se conta de que são bombardeados
por mensagens que não procuram o seu bem e o seu amadurecimento. Faz
falta ajudá-los a identificar e procurar as influências positivas, ao
mesmo tempo que se afastam de tudo o que desfigura a sua capacidade de
amar. De igual modo, devemos aceitar que «a necessidade duma linguagem
nova e mais adequada se apresenta especialmente no momento de introduzir
as crianças e os adolescentes no tema da sexualidade».[302]
282. Tem um valor imenso uma educação sexual que cuide um são pudor,
embora hoje alguns considerem que é questão doutros tempos. É uma defesa
natural da pessoa que resguarda a sua interioridade e evita ser
transformada em mero objecto. Sem o pudor, podemos reduzir o afecto e a
sexualidade a obsessões que nos concentram apenas nos órgãos genitais,
em morbosidades que deformam a nossa capacidade de amar e em várias
formas de violência sexual que nos levam a ser tratados de forma
desumana ou a prejudicar os outros.
283. Frequentemente a educação sexual concentra-se no convite a
«proteger-se», procurando um «sexo seguro». Estas expressões transmitem
uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da
sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso
proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez
do acolhimento. É irresponsável qualquer convite aos adolescentes para
que brinquem com os seus corpos e desejos, como se tivessem a
maturidade, os valores, o compromisso mútuo e os objectivos próprios do
matrimónio. Assim, são levianamente encorajados a utilizar a outra
pessoa como objecto de experiências para compensar carências e grandes
limites. É importante, pelo contrário, ensinar um percurso pelas
diversas expressões do amor, o cuidado mútuo, a ternura respeitosa, a
comunicação rica de sentido. Com efeito, tudo isto prepara para uma
doação íntegra e generosa de si mesmo que se expressará, depois dum
compromisso público, na entrega dos corpos. Assim a união sexual no
matrimónio aparecerá como sinal dum compromisso totalizante, enriquecido
por todo o caminho anterior.
284. É preciso não enganar os jovens, levando-os a confundir os
planos: a atracção «cria, por um momento, a ilusão da “união”, mas, sem
amor, tal união deixa os desconhecidos tão separados como antes».[303]
A linguagem do corpo requer uma aprendizagem paciente que permita
interpretar e educar os próprios desejos em ordem a uma entrega de
verdade. Quando se pretende entregar tudo duma vez, é possível que não
se entregue nada. Uma coisa é compreender as fragilidades da idade ou as
suas confusões, outra é encorajar os adolescentes a prolongarem a
imaturidade da sua forma de amar. Mas, quem fala hoje destas coisas?
Quem é capaz de tomar os jovens a sério? Quem os ajuda a preparar-se
seriamente para um amor grande e generoso? Não se toma a sério a
educação sexual.
285. A educação sexual deveria incluir também o respeito e a
valorização da diferença, que mostra a cada um a possibilidade de
superar o confinamento nos próprios limites para se abrir à aceitação do
outro. Para além de compreensíveis dificuldades que cada um possa
viver, é preciso ajudar a aceitar o seu corpo como foi criado, porque
«uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica,
por vezes subtil, de domínio sobre a criação. (...) Também é necessário
ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para
se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente.
Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da
outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente».[304]
Só perdendo o medo à diferença é que uma pessoa pode chegar a
libertar-se da imanência do próprio ser e do êxtase por si mesmo. A
educação sexual deve ajudar a aceitar o próprio corpo, de modo que a
pessoa não pretenda «cancelar a diferença sexual, porque já não sabe
confrontar-se com ela».[305]
286. Também não se pode ignorar que, na configuração do próprio modo
de ser – feminino ou masculino –, não confluem apenas factores
biológicos ou genéticos, mas uma multiplicidade de elementos que têm a
ver com o temperamento, a história familiar, a cultura, as experiências
vividas, a formação recebida, as influências de amigos, familiares e
pessoas admiradas, e outras circunstâncias concretas que exigem um
esforço de adaptação. É verdade que não podemos separar o que é
masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a todas as
nossas decisões e experiências e na qual existem elementos biológicos
que é impossível ignorar. Mas também é verdade que o masculino e o
feminino não são qualquer coisa de rígido. Por isso é possível, por
exemplo, que o modo de ser masculino do marido possa adaptar-se de
maneira flexível à condição laboral da esposa; o facto de assumir
tarefas domésticas ou alguns aspectos da criação dos filhos não o torna
menos masculino nem significa um falimento, uma capitulação ou uma
vergonha. É preciso ajudar as crianças a aceitar como normais estes
«intercâmbios» sadios que não tiram dignidade alguma à figura paterna. A
rigidez torna-se um exagero do masculino ou do feminino, e não educa as
crianças e os jovens para a reciprocidade encarnada nas condições reais
do matrimónio. Tal rigidez, por seu lado, pode impedir o
desenvolvimento das capacidades de cada um, tendo-se chegado ao ponto de
considerar pouco masculino dedicar-se à arte ou à dança e pouco
feminino desempenhar alguma tarefa de chefia. Graças a Deus, isto mudou;
mas, nalguns lugares, certas ideias inadequadas continuam a condicionar
a legítima liberdade e a mutilar o autêntico desenvolvimento da
identidade concreta dos filhos e das suas potencialidades.
Transmitir a fé
287. A educação dos filhos deve estar marcada por um percurso de
transmissão da fé, que se vê dificultado pelo estilo de vida actual,
pelos horários de trabalho, pela complexidade do mundo actual, onde
muitos têm um ritmo frenético para poder sobreviver.[306]
Apesar disso, a família deve continuar a ser lugar onde se ensina a
perceber as razões e a beleza da fé, a rezar e a servir o próximo. Isto
começa no baptismo, onde – como dizia Santo Agostinho – as mães que
levam os seus filhos «cooperam no parto santo».[307]
Depois tem início o percurso de crescimento desta vida nova. A fé é dom
de Deus, recebido no baptismo, e não o resultado duma acção humana; mas
os pais são instrumentos de Deus para a sua maturação e
desenvolvimento. Por isso, «é bonito quando as mães ensinam os filhos
pequenos a enviar um beijo a Jesus ou a Nossa Senhora. Quanta ternura há
nisto! Naquele momento, o coração das crianças transforma-se em lugar
de oração».[308]
A transmissão da fé pressupõe que os pais vivam a experiência real de
confiar em Deus, de O procurar, de precisar d’Ele, porque só assim «cada
geração contará à seguinte o louvor das obras [de Deus] e todos
proclamarão as [Suas] proezas» (Sl 145/144, 4) e «o pai dará a conhecer aos seus filhos a [Sua] fidelidade» (Is
38, 19). Isto requer que imploremos a acção de Deus nos corações, aonde
não podemos chegar. O grão de mostarda, semente tão pequenina,
transforma-se num grande arbusto (cf. Mt 13, 31-32), e, deste
modo, reconhecemos a desproporção entre a acção e o seu efeito. Sabemos,
assim, que não somos proprietários do dom, mas seus solícitos
administradores. Entretanto o nosso esforço criativo é uma oferta que
nos permite colaborar com a iniciativa divina. Por isso, «tenha-se o
cuidado de valorizar os casais, as mães e os pais, como sujeitos activos
da catequese (...). De grande ajuda é a catequese familiar, enquanto
método eficaz para formar os pais jovens e torná-los conscientes da sua
missão como evangelizadores da sua própria família».[309]
288. A educação na fé sabe adaptar-se a cada filho, porque os
recursos aprendidos ou as receitas às vezes não funcionam. As crianças
precisam de símbolos, gestos, narrações. Os adolescentes habitualmente
entram em crise com a autoridade e com as normas, pelo que é conveniente
estimular as suas experiências pessoais de fé e oferecer-lhes
testemunhos luminosos que se imponham simplesmente pela sua beleza. Os
pais, que querem acompanhar a fé dos seus filhos, estão atentos às suas
mudanças, porque sabem que a experiência espiritual não se impõe, mas
propõe-se à sua liberdade. É fundamental que os filhos vejam de maneira
concreta que, para os seus pais, a oração é realmente importante. Por
isso, os momentos de oração em família e as expressões da piedade
popular podem ter mais força evangelizadora do que todas as catequeses e
todos os discursos. Quero exprimir a minha gratidão de forma especial a
todas as mães que rezam incessantemente, como fazia Santa Mónica, pelos
filhos que se afastaram de Cristo.
289. O exercício de transmitir aos filhos a fé, no sentido de
facilitar a sua expressão e crescimento, permite que a família se torne
evangelizadora e, espontaneamente, comece a transmiti-la a todos os que
se aproximam dela e mesmo fora do próprio ambiente familiar. Os filhos
que crescem em famílias missionárias, frequentemente tornam-se
missionários, se os pais sabem viver esta tarefa duma maneira tal que os
outros os sintam vizinhos e amigos, de tal modo que os filhos cresçam
neste estilo de relação com o mundo, sem renunciar à sua fé nem às suas
convicções. Lembremo-nos que o próprio Jesus comia e bebia com os
pecadores (cf. Mc 2, 16; Mt 11, 19), podia deter-se a conversar com a Samaritana (cf. Jo 4, 7-26) e receber de noite Nicodemos (cf. Jo 3, 1-21), deixava ungir os seus pés por uma mulher prostituta (cf. Lc 7, 36-50) e não hesitava em tocar os doentes (cf. Mc
1, 40-45; 7, 33). E o mesmo faziam os seus apóstolos, que não eram
pessoas desprezadoras dos outros, fechadas em pequenos grupos de
eleitos, isoladas da vida do seu povo. Enquanto as autoridades os
perseguiam, eles gozavam da simpatia de todo o povo (cf. At 2, 47; 4, 21.33; 5, 13).
290. «A família torna-se sujeito da acção pastoral, através do
anúncio explícito do Evangelho e do legado de múltiplas formas de
testemunho, nomeadamente a solidariedade com os pobres, a abertura à
diversidade das pessoas, a salvaguarda da criação, a solidariedade moral
e material para com as outras famílias, especialmente para com as mais
necessitadas, o empenho na promoção do bem comum, inclusive através da
transformação das estruturas sociais injustas, a partir do território
onde vive a família, praticando as obras corporais e espirituais de
misericórdia».[310]
Isto deve ser feito no contexto da convicção mais preciosa dos
cristãos: o amor do Pai que nos sustenta e faz crescer, manifestado no
dom total de Jesus Cristo, vivo no meio de nós, que nos torna capazes de
enfrentar, unidos, todas as tempestades e todas as etapas da vida. E,
no coração de cada família, deve ressoar também o querigma, a tempo e
fora de tempo, para iluminar o caminho. Todos deveríamos poder dizer, a
partir da vivência nas nossas famílias: «Nós conhecemos o amor que Deus
nos tem, pois cremos nele» (1Jo 4, 16). Só a partir desta
experiência é que a pastoral familiar poderá conseguir que as famílias
sejam simultaneamente igrejas domésticas e fermento evangelizador na
sociedade.
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